A história do João Jiló
Fernando
Braga
Quando
éramos pequenos, eu e minha irmã, com 6 e 5 anos, adorávamos ouvir histórias. A
maior responsável por isso era a nossa empregada Maria, de saudosa memória, que
prendia muita nossa atenção, quando contava seus causos e historietas, que
conservamos na memória até hoje, decorridas quase oito décadas.
Quando
estava passando roupa, nos sentávamos à sua frente e implorávamos para que
contasse outra história, bem emocionante. Sempre concordava e dizia, que então queria
silêncio absoluto e muita atenção, pois não repetiria nenhum trecho.
Sorríamos,
nos ajeitávamos na cadeira e pedíamos: - Então vai!
Estava
no começo da Semana Santa e disse que iria nos contar uma história verdadeira,
algo muito especial, a história do João Jiló.
O
João Jiló era um caipira que trabalhava na área rural e morava em um casebre,
com sua mulher, Rita. Sua esposa gostava de ir à igreja, na missa aos domingos
e sempre rezava antes de dormir. Ele, pelo contrário, nem a primeira comunhão
havia feito, detestava padres, não acreditava em diabos e nem mesmo em Deus. Nunca
fora a uma procissão, mesmo na semana Santa, apesar das súplicas de sua mulher.
O
que mais adorava, além de nadar no rio, era matar passarinhos, com a
espingardinha que conseguira de segunda mão. Com o estilingue nunca fora muito
hábil, mas com a espingarda era tiro e queda!
Todos
os finais de semana seu prazer era sair, acompanhado de seu cãozinho Rabicó, indo
à mata próxima, e pregava fogo no que se movimentasse no chão e principalmente,
que voasse. Matava seguramente uma dúzia de passarinhos e sentia muito prazer
em matar os anus, que eram pretos. Os passarinhos que eram mortos, ele fritava
e comia, inclusive as rolinhas, os fogos pagô
e as pombas. Não gostava da carne dos outros pássaros, do bentivi, sabiá, sanhaço, passopreto,
pardalzinho e outros, mas adorava matá-los. Matava-os e jogava-os fora, após
examinar onde tinha acertado, se na asa, no peito, na cabeça. Gostava de contar
sua proeza para quem o ouvisse, o número de passarinhos que conseguira acertar,
sua pontaria certeira!
Quando
chegou a semana Santa, no feriado da sexta feira, logo cedinho ajeitou seu
embornal, preparou sua espingarda, separou um pouco de água e disse à esposa
que ia caçar. Demonstrando preocupação, lembrou-o de que era sexta-feira Santa,
dia sagrado, Jesus havia morrido para nos salvar e naquele dia, ninguém devia matar
e pior ainda, comer carne de animal de sangue quente, apenas de animais de
sangue frio.
Neste
momento interrompemos a Maria e perguntamos o que eram animais de sangue quente
e de sangue frio. Sorrindo, nos respondeu que animais de sangue quente, são
aqueles que tem sangue vermelho nas veias, como o nosso.
—
E sangue frio?
—
Sangue frio são os peixes, que vivem no mar, nos rios, nas represas.
—
Mas, que cor tem o sangue frio? Sempre que você faz peixe para nós, nunca vimos
sair nenhum sangue! Onde você inventou este tal de sangue frio?
—
Bem, depois eu conto, mas por enquanto vamos voltar à história, e não me
interrompam mais, senão... eu paro!
Nos
ajeitamos na cadeira novamente e pedimos: - Conta. Conta!
Pois
bem! O João jiló, gargalhou gozando sua mulher, dizendo que era ela muito carola,
acreditava nestas besteiras de igreja, e saiu...
Penetrou
na mata e começou a pregar fogo! O que lhe dava muita satisfação! Afinal,
trabalhava muito a semana toda, de sol a sol e agora queria se divertir.
Em
uma clareia da mata, notou a presença de 3 pombinhas, uma delas bem branca,
ciscando no chão. Aprumando sobre seu alvo, a pombinha branca, ouviu no ar uma
voz que dizia: - Não me mate João Jiló, que dói...dói ...dói!
Parou
um pouco, prestou atenção e ouviu a mesma súplica, que vinha de algum
lugar!
Voltou
a aprumar e fogo! Lá estava a coitadinha caída no chão, morta, com sangue
vermelho na cabecinha...
Colocou-a
no embornal e continuou sua peregrinação, acertando o que via pela frente.
Por
volta do meio dia estava novamente em casa, como sua mulher tinha ido à igreja,
resolveu preparar sua refeição. Pegou a pomba, jogou água fervendo sobre ela,
depenou-a, limpou-a, retirando seus órgãos e depois de desmembrá-la, salgá-la,
colocou-a na frigideira.
Sentou-se
à mesa, pegou uma dose de cachaça, colocou arroz aquecido no prato e as
diferente partes da avezinha, bem fritinhas. Pegou uma das perninhas com seus
dedos e com água na boca ia enfiá-la pela goela, quando ouviu no ar, a voz
estranha: Não me coma, não me coma João Jiló, que dói...dói...dói.
Parou,
mas não se assustou e ia enfiar sua presa na boca quando ouviu novamente:
—
Não me coma, não me coma João Jiló.... Que dói...dói...dói!
Não
quis nem saber, começou a comer vorazmente, terminando a refeição irrigada pela
cachaça, embora aquela vozinha não desaparecesse: - Que dói...dói...dói!
Logo
após terminar, ainda ouvia a mesma voz, repetindo a mesma frase, mas agora
vindo do interior de sua barriga. Uma dor forte instalou-se em seu abdômen, o
qual teve que ficar apertando, apertando, cada vez mais. A voz não parou e sua
barriga começou a crescer, inchar... inchar... inchar... Pum! Foi excremento
para todos os lados!
Acabando
de chegar, sua mulher ouviu o estouro e foi ver o havia ocorrido na cozinha.
Lá
chegando deparou com o marido, com os olhos esbugalhados, barriga toda aberta e
ainda uma vozinha tênue que dizia: - Eu te disse João Jiló .... Eu te disse
João Jiló, que dói...dói...dói! É muita dor!
Maria,
nos olhou e viu que estávamos mudos, pensativos. Aí eu disse: Bem feito!
E
minha irmãzinha confirmou: Isso mesmo! Isso mesmo!
Agora
Maria, conte outra de Semana Santa!
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