Uma agenda muito usada no balcão do café
Mario Augusto Machado Pinto
Era um dia de chuvisco, aquele com a marca registrada paulistana quando a gente só quer tomar bebida quente, mas não pode ser muito quente senão queima a língua. À noite só fondue e vinho com canela ou gengibre? Pois é, esse era o dia.
-Bom, vou indo “seu” André. Até mais.
-Espera aí. Toma mais um cafezinho pra esquentar. Está frio pra caramba.
-Um cafezinho até que vai bem - disse agradecendo.
Enquanto esperava pelo cafezinho fiquei olhando em volta. Reconheci vários frequentadores, aqueles habitués jogadores de escopa.
Havia aquele casal de funcionários públicos aposentados, ele lia o jornal; ela fazia tricô, afinal estava fazendo frio; um senhor de aparência bastante idosa, barba e cabelos brancos que não viam o barbeiro há secula seculorum que fez um sinal me cumprimentando ; o entregador de jornais que já entregara todos, um coletor de apostas de jogo do bicho, o vendedor de abacaxi e uns estudantes fazendo algazarra. E para minha surpresa, bem ali do meu lado encima do balcão, uma agenda com capa acinzentada que já havia sido preta.
Peguei-a , olhei em volta outra vez, abri na página inicial, para saber de quem era. Nada escrito, só um borrão que parecia ser batom.
Comecei a folhear e a ler algumas das anotações diárias escritas numa boa caligrafia. Li mais atentamente e notei a variedade de assuntos e fatos anotados sucintamente e opiniões quase que lacônicas sobre pessoas com nome e tudo.
Era assim: dia e hora tais. O Dr. Agnelo se queixou da família. Ficou contente porque tudo funcionou bem.
Outro dia e hora: o dono do armazém disse que vai aumentar o preço das coisas por causa da inflação. Conversou bastante. Eu quase dormi.
No dia assinalado em vermelho como sendo o de N.S. Aparecida: os romeiros ficam olhando; é muito desagradável. Rezei e dei no pé.
Outra: a Filô quer sair, mas eu não gosto dela. Não adiantou insistir, não saí.
E havia anotações diárias até chegar ao dia de hoje.
Na folha do último dia de cada mês havia um registro de valores e totais semanais. Deviam ser anotações de comissões sobre vendas ou algo parecido porque eram valores quase sempre iguais. Era uma soma bem boa, diria até elevada.
O Seu André colocou o cafezinho na minha frente e eu aproveitei para perguntar:
-O Sr. sabe de quem é esta agenda que encontrei aqui em cima do balcão?
-Deixe-me ver. Ahn, é daquela moça que saiu daqui com o juiz de futebol.
Boazuda. Não reparou, não? Deixa aí que ela pega quando voltar. Isso acontece sempre. Ela diz que é para proteger os clientes...
-Daqui? Isso nunca aconteceu comigo.
-Não tenha pressa, disse o “seu” André. Você vai cair na rede quando menos esperar, feito peixinho e não vai reclamar.
-Tchau, tchau. Olha “seu” André, eu gosto de café, não sou peixinho não, mas vai que num dia sem querer eu deite na rede - falei já indo embora.
É – pensei – será que uma aventurazinha não iria bem? Pode ser, podia acontecer. Faz tanto tempo que não muda nada; não acontece nada, é sempre mesmo reme reme. Vai de eu gostar... Ra, Ra, Ra, deixa pra lá, cara! O trabalho te espera e o chefinho também. É isso aí.
Mario Augusto Machado Pinto Março 2.013
marioamp@terra.com.br
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