Uma peça de teatro - Mario Augusto M. Pinto


        

 Uma peça de teatro.

                       1º Ato.
Interior de um vagão do Metro: pessoas sentadas, fisionomias cansadas, algumas conversam, rapazes em pé, barulho constante do trem.
Duas jovens estudantes modestamente vestidas sentadas uma frente à outra, conversam.
Marilene, voz irritada e com raiva:
Como eu já te disse, o orientador da pesquisa que estou fazendo não entende bulhufas de estatística e só está atrapalhando a redação final do meu trabalho...

Luciana, calmamente:
— Acho que você tem preconceito contra esse profe....

Marilene cortando a fala de Luciana:
— Preconceito uma ova. O cara é meio burraldo mesmo e metido a galã...

Luciana, entusiasmada e se remexendo no banco:
— Pode até ser, mas ele é um peixão. Você reparou nas bundinha dele? É linda! Já imaginou ele te abraçando e o que está atrás do zíper...

Marilene, irritada e nervosa:
— Fala baixo! Todo mundo está escutando! É nisso que dá ser alienada como você! Tua cabeça só tem periquita misturada com miojo. Só falta fazer molho ao vinagrete! Luciana, entusiasmada, gesticulando:

— Alienada nada! Eu gosto de homem, faz bem pra saúde e digo pra quem quiser ouvir. Aquele profe é gostoso, até já imaginei uns amassos com ele... Vê, só de pensar fico toda arrepiada... Ia ser legal.

Rapazes em pé no vagão começam a provocar as duas moças:
Um: Ói eu aqui. Tô só. Só, só de uma perna só!
Outro: Exprimenta eu. Só te faço o bem bom!!!
Mais um: .. tálálálá, Light my fire, light my fire baby….
Mais outro: Faço de graça e te dou um brindão...

Marilene, muito zangada:
— Palhaços! Bobos! Chegamos. Desce logo. Esses caras só enchem o piquá.
Saltam do vagão.
Marilene, já com voz normal e dando um beijo na amiga:
— Tchau, me telefona logo.

Luciana:
— Tá. Logo que eu chegar.
As duas se afastam cada uma para um lado.

Desce o pano de cena.

2º Ato.

Numa republica de estudantes um quarto com duas camas de solteiro, uma escrivaninha e cadeira, uma poltrona, dois armários, duas mesinhas de cabeceira com um abajur cada uma; posters de cantores pelas paredes,  e um calendário tendo dias marcados. Na escrivaninha um telefone com fio comprido de extensão, alguns livros e pastas. Há muito barulho, som de música americana, caribenha, gente cantando, gritando, cachorro latindo.

— Dona Zelinda, me empresta alho?
— Seu José, minha pia entupiu.
— Acaba com essa barulheira! Quero dormir...
— Quem leva meu cachorro pra passear?

Marilene entra no quarto e coloca a mochila em cima de uma das camas, retira umas roupas jogadas ali e as coloca no encosto de uma das poltronas. Anda pelo quarto e cantarola mexendo em algumas coisas.
Toca o telefone. Ela atende no viva voz e continua andando pelo quarto:

— Alô, alô, fala.
— Marilene, aqui o Gervasio, seu professor de estatística. Desculpa a hora...

Marilene surpresa, mas não querendo demonstrar:
— Tudo bem, o que manda?

Gervasio, com entusiasmo:
— É o seguinte: reli seus quadros estatísticos, conferi as percentagens e o resultado está certo. Acho que deve continuar usando os índices e concluir o capitulo.

Marilene gesticulando e dando pulinhos de contente:
-Ok. Vou fazer. Desculpe, mas no fone tenho sinal de alguém querendo falar comigo. Falamos depois. Ah, me dá o numero.

Gervasio:
— É 9818345. Você tava bem bacana na aula.

Marilene:
— Ok. Ligo depois. Tchau.  Alô.

Luciana com voz alegre:
— Oi querida. Cheguei, tudo bem. Tava namorando no telefone?

Marilene falando um pouco alto:
— Que nada, era o profe dizendo que meu trabalho tava certo e pra continuar.

Luciana:
— Tá vendo? Não te falei? Ele não disse mais nada, não? Que você é gostosona?

Marilene, gostando, mas contida:
— Luciana! Ele é meu professor!

Luciana:
— Não tem nada a ver. Garanto que falou.

Marilene, um pouco acanhada:
— Só disse que eu tava bacana na aula.

Luciana toda entusiasmada:
— Viu? É assim que começa o..

Marilene irritada, mas não muito:
— Começa o que? Menina, não vai falar besteira.

Luciana:
— Não falo não. Bom, vou dormir. Olha proponho uma coisa: vamos sonhar com ele e depois cada uma conta pra outra o que sonhou. Topa?

Marilene, acanhada:
— Não sei fazer, mas vou tentar. Então tchau. Bom sonho...

Luciana:
— Com certeza. Inté.

Desce a cortina.

3º Ato.

Mesmo cenário do 2º Ato.

Marilene abre a porta com violência, acende a luz e começa a  chutar o que está espalhado pelo chão, urra como animal ferido, gritando e repetindo cretino!, desgraçado! filho daquela coisa! você me paga! Vai ver só!!!

Toca o telefone e Marilene atende gritando raivosa:
— Alô, quem é desta vez?

— Quem é que liga pra você a esta hora? Sou eu, Luciana, ora! Calma! O que aconteceu?

Marilene, fala apressada:
— Lembra que combinamos ontem a respeito do Gervasio?

Luciana curiosa e agitada:
— Claro! Conta! Conta!

Marilene ainda com fala irada:
— Pois é! Saí com aquele cretino e...

— Marilene, conta com detalhe!

— Se você fechar essa matraca eu consigo. Como estava dizendo, ele telefonou e convidou pra dar um giro. Aceitei e marcamos pras nove horas da noite. Tomei um banho com sabão liquido bem cheiroso, de alfazema, me depilei, escolhi aquela calcinha fio dental, de renda.

Luciana interrompendo:
— Por que o fio dental?

— Ora, pra ficar mais fácil pra esquentar o motor do cara.

— Marilene, estou desconhecendo Você.

— Bem, continuando: vesti uma saia bem larga e curtinha pra mostrar um pouco das coxas e uma blusinha leve de algodão pra usar sem soutien. Não preciso, tenho os peitos pequenos, mas queria que ele visse os biquinhos durinhos apontando pra ele; coloquei sandália rasteira e colônia no pescoço. Ele chegou, buzinou, desci e fomos dar um giro.
Luciana está afobada; quer saber detalhes:
-E aí, houve alguma coisa? Não demora pra contar...

-Olha Luciana, joguei todas as iscas femininas pro cara: sentei em cima de minhas pernas para mostrar os joelhos; coloquei uma perna um pouco separada da outra; cantei musica perto do rosto dele. Inventei uma que dizia “quero amar Você,  vamos fazer  amor, me ama, me ama”; encostei a cabeça no ombro dele. Nada, nada do cara se animar. Depois de muita conversa boba pedi pra voltar. Quando chegamos, eu agradeci o passeio e disse boa noite. Sabe o que ele me falou?

— Conta logo!

— Ele disse: Mariane, gosto muito de sua companhia. Agradeço demais Você ter aceitado meu convite, mas me desculpe. Eu aprecio mais o time do artigo definido masculino singular. Luciana, imagina a minha cara! O desgraçado  é homo, gay com todas as letras! È um enrustido filho da mãe.

Enquanto Marilene chora e golpeia o tampo da escrivaninha,  Luciana ri, se esbalda. Ouve-se o barulho do pessoal do edifício e um bolero que diz:

Besame, besame mucho
Como se fuera esta noche
La ultima vez,
Besame, besame mucho...
..........................................
Cai rápido o pano de cena.

Mario Augusto Machado  Pinto                            31-03-2.013
marioamp@terra.com.br

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