4 KM
Barbara de Lara
Do
silêncio do vale escutava-se o gemido compassado do ranger das rodas, que nada se
parecia com o gargalhar dos adolescentes em cima da velha carroça cheia de mochilas.
Era
com esse diz que diz que gostoso de todos falando ao mesmo
tempo, que à medida em que se aproximava do sítio tornava-se mais forte,
anunciando nossa chegada... Os afazeres paravam no tempo, dando lugar a este momento tão esperado que se
repetia ano após ano, botas, aventais, rastelos eram substituídos por sorrisos
e abraços envolvendo-se num mundo todo especial, de alguma forma.
Ríamos
dos gansos, sempre muito temidos pelas bicadas, foram os primeiros a alertar os
cachorros de que alguma coisa estava por acontecer, e exaltados latiam abanando
o rabo.
A
voz de Tio Vicente ecoou: as “gaviotas” chegaram! – Ríamos
até poder não mais por causa da inversão
das letras das gaivotas e seus ruídos
estardaçantes. Era algo de muito especial porque sabíamos que era nosso. Só
nosso! Os apelidos nos marcavam,
mas “gaviotas” é sempre lembrado.
- Gostaram da carroça? Era a Tia Pi, - reformamos
para ir buscar vocês.
Mas
mesmo com a reforma ela continuava no
seu envelhecer rangendo e balançando a cada giro das rodas mostrando seu
cansaço. Mas ela existia!
Este
era o ritual de chegada, nada de caminhonete, fusca ou jipe. Ah, o velho jipe 54 todo verdinho!
Sim,
chegávamos ao sítio... Nossos pensamentos soltos a uma velocidade que colocaria
qualquer “caipira” de cabelos em pé, se pudesse
vê-los. No entanto estes mesmos
pensamentos esbarravam na experiência e sabedoria do viver na natureza. Sim, os
primos viviam por lá e jamais sairiam de lá.
O
acreditar que tudo fosse possível naqueles 15 hectares tornava o dia mais
curioso. - Humm! Nossa! Como eles
estão bonitos! - espiávamos cochichando.
E cada qual logo encontrava a quem se afeiçoar, fosse pela gentileza
em preparar o cavalo, que nos
impressionavam porque os pegavam no campo “no pelego” com um assovio. Imagine
um assovio e lá estava o bichão, chegando
no galope combinando perfeitamente o frear empinando o cavalo! Só para
impressionar, não é? - dizíamos rindo à toa; pelo tirar o leite quentinho, que
dava ânsia em ter que experimentar para agradar; pelo nadar no rio em que se
penduravam num cipó e se soltavam ,num
momento preciso em meio ao “poção” mergulhando na profundidade do seu saber,
aparecendo uns segundos após termos segurado nossa respiração – Ufa! Que
alívio!
- Venham, venham, nos desafiavam... - sempre
gostei de ficar na beira dos acontecimentos, observando sentada nas pedras toda
aquela brincadeira. Ficavam dentro da água para prevenir possíveis afogamentos, e as
meninas se atiravam no mergulho ingênuo que provocava certo frenesi no contato de corpo a corpo,
que só estas férias proporcionavam. Não eram exímias nadadoras e assim eram
obrigadas a se abraçarem, como apoio é claro, quando emergiam do mergulho – eram muitas
risadas e o “de novo” ...e tudo recomeçava e recomeçava, até o sombrear das
árvores tornar-se mais denso anunciando o cair da tarde e a volta à realidade
com uma voz ecoando pelo vale nos chamava para o lanche.
Embrenhados
em meio ao capinzal, pisávamos na ponta dos pés desviando de uma provável cobra,
sapo, sei lá mais o que... E, o som das
“gaviotas” se aproximando já sentíamos o cheiro gostoso do pão assado em folhas
bananeira e do delicioso bolo de fubá.
- É dia de ir à Vila! diz Tia Pi, sentada na beira do sofá após o
jantar observando todos bocejarem entre perguntas e respostas do dia a dia de
cada um.
Sim! Era dia de ir à Vila!
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