A viagem nefasta - Fernando Braga

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A viagem nefasta
Fernando Braga

       Há alguns anos, dois amigos alugaram uma casa em Ilhabela, para passarem dez dias das férias de janeiro. Foram em 2 carros, com as esposas, duas crianças cada um, e ainda duas empregadas. Após viagem cansativa até São Sebastião, perderam quase 4 horas para atravessarem a balsa de ligação. Demoraram para localizar a casa que era um tanto isolada e a uns 300 metros da praia. Ao chegarem depararam com uma casa grande, mal cuidada, com muito mato crescendo ao redor. Haviam alugado e pago adiantado ao proprietário, que havia feito o anúncio pelo jornal, com preço convidativo. O número de quartos, permitia boa acomodação, com um quartinho de empregada próximo à cozinha e ainda, uma casinha de caseiro no fundo do quintal, para alguém que viesse a tomar conta do imóvel.  A casa estava suja e percebia-se que não estava sendo usada há bom tempo. As  mulheres trocaram ideias entre si e ambas pensaram:- Meu Deus, o que viemos fazer aqui? Nunca mais vamos aceitar o aluguel de casa em praia, sem antes conhecê-las ou obter informação mais precisas. Não é só o preço que é importante.  

        Abriram toda a casa para sair o cheiro de mofo, varreram e lavaram o chão, arrumaram os quartos, colocando lençóis, fronhas, toalhas de rosto e de banho, que haviam trazido. Com a participação de todos, principalmente das empregadas, melhoraram as condições, para ali ficarem mais de uma semana.

        Comeram bem aquela noite, mas não foi fácil dormir, devido ao grande número de pernilongos e borrachudos famintos. Havia um ventilador no teto da sala de estar, não nos quartos. Haviam levado inseticida, mas ao abrirem um pouco as janelas dos quartos para amenizar o calor, os insetos voltavam a zunir e picar.

        Pretendiam no dia seguinte, comprarem ventiladores e mais inseticidas. As empregadas que dormiram juntas no quartinho do quintal, também se queixaram muito do calor e pernilongos.

        Foram à praia, o mar estava excelente, aquela água na temperatura do corpo, protegidos do sol forte sob as barracas, aperitivos com cervejinhas geladas e era gostoso ver a diversão da criançada que não parava, entravam e saiam do mar fazendo algazarra. Enquanto isto, as duas empregadas permaneceram na casa, para terminar a limpeza e preparar a boia.

        Uma delas resolveu dar uma volta pela redondeza, logo encontrando colegas que comentaram com ela, que a casa que alugaram era tida como mal assombrada, desde que um dos proprietários fora assassinado, em seu interior. A viúva vendeu a casa bem barato para alguém, que pouco a frequentava e ocasionalmente a alugava. Parecia estar abandonada, fazia tempo que não viam alguém que a alugasse. Disseram ainda que, frequentemente alguns vagabundos utilizavam a varanda, o quintal e até conseguiam entrar na casa, para dar margem ao vício de consumo de drogas.

       A empregada voltou nervosa, comentou com sua amiga e ambas ficaram preocupadas com assombrações e aqueles viciados, que poderiam voltar. Quando comentaram com as patroas, estas procuraram acalma-las, mas um dos meninos, o Oswaldinho ouviu a conversa. Vendo que as empregadas estavam morrendo de medo, cuidadosamente amarrou uma linha preta no encosto da cadeira da cozinha e ficou à espreita. Quando ambas entraram nesta dependência, escondido, deu um puxão na linha, que partiu, mas jogou a cadeira ao chão. Elas olharam ao redor, uma olhou para a outra e saíram na disparada. Osvaldinho ficou calado. Todos foram à cozinha para ver a cadeira caída e o assombro foi geral, menos o responsável pela peça. Falaram em ir embora, mas como já tinham pago por 10 dias e aquela praia...

        As empregadas não queriam ficar. Pensaram: - Como iriam embora sozinhas, como? Não conhecemos nada, não temos dinheiro e ainda, deixar as patroas sós? Não era correto.

       Vendo toda a apreensão reinante, Osvadinho se adiantou e confessou o crime. Levou um “ pé  d’ovido” do pai, que proibiu-o de voltar a fazer brincadeiras de mal gosto.

       Os cinco dias seguintes foram normais, sem incidentes, visitaram a ilha, o centrinho, as cachoeiras, almoçaram um dia em um bom restaurante, junto com as empregadas, que   haviam melhorado de humor.

       Eis que após uma semana, no meio da noite, acordaram com os gritos das empregadas, no fundo do quintal. Os dois rapazes se levantaram ao mesmo tempo, corajosamente abriram a porta da cozinha e se dirigiram ao quarto delas. Elas continuavam gritando, desesperadas. Ao perceberem a chegada dos patrões abriram a porta e entre soluços, comentaram que havia alguém que tentara forçar a porta para entrar no seu quarto.

        Neste momento surgem três indivíduos de trás da casinha, armados com facas, que surpreendem a todos. Pediram dinheiro e os celulares. Um dos inquilinos, o mais forte, que havia praticado judô, vendo que estavam sem arma de fogo reagiu, chutando um deles, mas o outro, deu-lhe uma facada no braço e em seguida em seu abdômen, com sangramento abundante. Suas mulheres que estavam na casa, com medo, vendo tudo da cozinha, ao assistirem a cena, começaram a gritar desesperadamente:

— Polícia... Polícia.

       Os bandidos abandonaram rapidamente o local, desaparecendo na escuridão. Restou o rapaz caído no chão, sangrando do braço e da barriga. O desespero tomou conta de todos. Enrolaram seu braço, apertado, com um pano e uma toalha foi colocada em sua barriga de onde escorria o sangue.

       Imediatamente, colocaram-no no carro e foram em direção à delegacia, na cidade. Sua mulher o acompanhou apoiando a cabeça do marido no colo, ajudando a comprimir os ferimentos, principalmente o do abdômen. La chegando contaram tudo aos policiais, que conduziram o ferido até uma lancha da polícia e atravessaram rápido, o canal. O paciente estava pálido e continuava ensopando as compressas. Sua esposa estava quase desmaiando vendo tanto sangue, procurando animar o marido e pensando consigo mesma: Meu Deus, e se ele morrer, o que será de mim e meus filhos.       Chegando a São Sebastião, uma perua da polícia os aguardava e levaram-no ao hospital próximo: Hospital Governador Mario Covas Junior. Foi atendido no PS, por enfermeiros que  mediram sua pressão e instalaram soro em seu braço. Trocaram as compressas ensopadas. A   esposa, chorando, desconsolada, não permitia que a tirassem de seu lado.

      Logo chegou o médico que vendo os ferimentos, conduziu-o, de imediato, ao centro cirúrgico.

       Os familiares permaneceram fora, aguardando.  

       Cerca de uma hora após, saiu o médico, informando que o quadro era instável, que o paciente perdera muito sangue do abdômen, onde uma veia havia sido cortada. Felizmente a facada não havia atingido uma das artérias próximas, importante na região. Conseguira estancar o sangramento. Após receber 4 unidades de sangue e soro, a pressão havia se recuperado, mas ainda estava um pouco baixa. Precisava agora, ver o paciente acordar, para uma resposta positiva.

       Ficou na UTI, onde a família pode olha-lo, ainda inconsciente, sem toca-lo.  A esposa ficou acordada, muito, muito apreensiva, até o amanhecer, quando então o médico chamou a família e disse que o paciente  estava bem e havia acordado. Ficou ainda 6 dias internado, todos torcendo e rezando por sua recuperação completa. Logo puderam voltar para São Paulo.

       Os guardas comentaram, que certamente, haviam sido vítimas de um dos grupos de viciados, dependentes, que procuram casas abandonadas para se drogarem, cometiam pequenos assaltos, para adquirirem drogas. Comentaram que casos como este, estavam ficando comuns em toda a área litorânea norte do Estado. Podiam ter certeza que eles logo seriam presos, porque não era fácil escapar da ilha. Havia controle no porto e no mar.

        Osvaldinho comentou na volta, que deviam ter ouvido às empregadas, que estavam com muito medo, muito ansiosas e queriam voltar já no primeiro dia! Ele havia contribuído, para que voltassem. Assim nada teria acontecido!


       Seu pai olhou para ele de soslaio e disse: - Você é terrível! Moleque danado, você promete!

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