SAPATINHOS VERMELHOS - Oswaldo Romano


SAPATINHOS VERMELHOS
Oswaldo Romano            
                                                                   
         Quando moça Julieta era admirada e vista na sua cidade com muito carinho, admiração e até invejada pelas jovens.

         Usava o teatro antigo. Simples,  porém o mais frequentado, em razão da sua presença. As apresentações gozavam de tolerância e eram proibidas a menores de 14 anos.

         A graça de Julieta era irresistível.  Arrastava o povo adulto para o velho e escuro casarão, mas que tinha, ela, iluminando seu palco.

         Mas, o tempo não perdoa. Julieta a mulher dos mais lindos requebros, a artista dos sapatinhos vermelhos, envelheceu. As crianças do novo tempo a tinham como a bruxa que morava no corroído  sobrado da praça da igreja.

         Gritava em seus pesadelos. Gritava alto, pedia socorro. Vinha-lhe a imagem que presenciou em seu palco naquela inesquecível noite de 16 de março de 1.970. Tinha como coadjuvante Solange. Formosa, gostosa! Sua presença valorizava a apresentação. Fazia a segunda voz quando Julieta se apresentava cantando.

         Os homens da plateia, quando ela aparecia era um desbunde. Recebiam com prolongados assobios e de pé exaltavam suas pernas, sua tanajura e outras partes que a faziam ficar toda orgulhosa.

         Mas, oculto no ponto estava o Pedro. Permanecia naquele lugar durante todas as apresentações de Solange, consumindo-se de ciúme. Pedro era seu marido. Solange o tinha como seu joguete. Era zombado. Escrachado.

Depois que se casou foi que revelou sua verdadeira personalidade. Queria uma escora.

Os ciúmes e paciência do Pedro ultrapassaram o limite da sua tolerância. Do rebaixo do ponto, mirava aquela que queria só pra si.  Só havia uma solução tirá-la de todos.

Do esconderijo do seu ponto, mirou a assanhada ninfa e deu-lhe três tiros. Os holofotes a cegavam. Solange morreu sem saber de onde vieram as balas.

         Mas não cegaram Julieta que viu o sangue da amiga espirrar. Sentiu o mesmo respingar em suas pernas, quando a polícia matou seu amante, um conhecido traficante.

         Crianças, pré-adolescentes, gritando bruxa, bruxa, atiravam pedras na desgastada janela de vidros manchados. Interrompendo seu descanso, ela aparecia, mostrando uma imagem distorcida através vidraça. Sabia que receberia pedras, mas precisava acalmá-los:

         — Abrindo uma folha da janela, com voz embargada no sacrifício dizia: Meninos! Minhas meninas! Por quê querem judiar desta pobre e velha mulher. Faltam-me forças até para me levantar da surrada cadeira. Mal consigo me balançar. Por quê?

         — Por quê? – Retrucou em voz alta uma garota.

— Porque você é uma bruxa. Tem o olhar verde de gata com unhas afiadas. Judiava dos homens. Bruxa... Bruxa mesmo! -  reforçavam gritando como moleques.

         As chuvas chegaram. As crianças recolhidas, deixaram de aborrecê-la.  Mas, assim que puderam, lá estavam elas, irritando a velhinha, atirando suas pedrinhas.

Desta vez ela não apareceu.

Perguntaram ao sapateiro que vivia de consertos na garagem ao lado:

         — Moço, moço,  a velha se mudou? — Ele respondeu sem parar de bater a sola.

 — Não está ai, sim!

         Juntas trocaram palavras, e Pedrinho o mais levado, resolveu comprovar. Subiu a desgastada escada, viu a porta meio aberta. Entrou. A velha vedete estava sentada na cadeira de balanço, de costas. Olhava fixamente para a janela. Pedrinho bateu com os pés nas taboas soltas do assoalho. Ela não se mexeu. Bateu de novo várias vezes. Nada! Ficou apavorado. Deu no pé. Desceu saltando degraus, apareceu correndo, gritando e correndo levou consigo os amigos até o sapateiro.

         O velho de vasto bigode, um avental todo sujo de tintas, levantou-se, foi ver o que acontecia.


         A velha vedete, ostentando seus sapatinhos vermelhos, estava morta.

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