N0 HOSPITAL – A FÚRIA - Oswaldo U. Lopes


N0 HOSPITAL – A FÚRIA
Oswaldo U. Lopes

         Jorge Antônio era assistente de pronto socorro do HC. Estava acima dos internos, residentes, enfermeiras, porteiros e padres. Estava acima do bem e do mal, senhor da vida e da morte.

         Era competente, mas muito competente! O que explicava o enorme respeito que o envolvia, e mais curioso, trabalhava de fazer inveja a qualquer mouro que aparecesse.

         Hoje a coisa perecia sair dos eixos:

Vai trabalhar sua vagabunda!

A enfermeira virou as costas dando graças a Deus de não ouvir “puta”.

“Ah! O menino, mas o menino chegara quase morto. Acho que é baço” falou o Pé de Valsa, enfermeiro com trinta anos de porta, com ar de longa sabedoria, só para ouvir na próxima vez que empurrava uma maca para dentro:

Fica na porta que é seu lugar. Vai entubar ou vai ficar espiando pelo laringoscópio?  

O anestesista que tentava acudir o garoto largou o instrumento:

Faz você, gostosão. Ele fez isso e outras coisas. Fez transfusão para a moça do aborto, mas não sorriu. Olhou a chapa do velhinho e sapecou no residente:
Cadê o sangue do menino, porra!

Padre, agora não! Se o menino morrer e você começar a benzer, você vai junto.

A mesinha de curativo que voou longe com o chute certeiro nem sabia qual era a culpa, além do fato de que o material em cima dela estar todo errado.
O foco tombado pensava em como é dura a vida de quem não ilumina direito.

E o menino era baço mesmo?”

E era. A merda de sempre, gente pobre ganha água encanada, duas torneiras, uma fica lá fora para lavar roupa. Compra um modesto tanque, não tem dinheiro para cimentar, monta uns tijolos, máquina de lavar roupa de pobre é barata, né!

Menino de pobre não é diferente de menino de rico. Curiosos os dois são. Debruçar os dois se debruçam. Mas,  o tanque só vira em cima do pobre, portanto só corta o baço do pobre.

Dia após dia, bolsa isso, bolsa aquilo, educação continuada, séria, para todos só na Coreia, Canada ou Hong Kong. Até quando vai continuar rompendo baço, bolo de áscaris, miséria de aborto, esse mar sem fim de incúria e roubalheira.
Até quando vão ficar levando menino com hemorragia na benzedeira , beijando para ver se melhora, esfregando álcool nas canelas. Está vivo, mas acho que não chega nem no centro cirúrgico. “Cala a boca vagabunda!”

Até quando tanto sofrimento, tantas transações tenebrosas, quando um cimentado dava jeito. A porta devia ter saído da frente, teria evitado o pontapé. “Quem vai assinar o atestado de óbito? Sua mãe, ou melhor, leva para a presidente da república e ela a causa mortis.”


Saiu, uma fina garoa cobria a noite fria, chorou e chorou muito que homem só chora na solidão. E aquela era a maior solidão. Ele, Deus e a noite na cidade. Como na Balada de Sacco e Vanzetti aquela agonia era seu maior triunfo!

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