O PRÉDIO DA BARONESA II - Oswaldo U. Lopes


O PRÉDIO DA BARONESA II
Oswaldo U. Lopes

Afinal,  pensou Hiroito recapitulando, não fora tão difícil. A vantagem de ser investigador no Brasil era que com um volume tão grande de crimes, você não precisava ficar velho para se tornar experiente.

Na ficção os detetives são todos cinquentões. Na policia americana com quem tivera contato e trocara experiências, os mais velhos eram sempre os mais respeitados. No Japão que também visitara, pelas facilidades de língua, o poder e a suposta sabedoria dos mais velhos era de arrasar.

Aqui, não necessariamente. Foram seus resultados e não sua idade que o levaram para a Divisão Especial do DHPP. O volume de trabalho fizera o resto. Não afrontava os mais velhos, respeitava neles a experiência e o conhecimento. Sobretudo o conhecimento que tinham dos bandidos e de seus habituais modos de agir. Eles eram capazes de reconhecer um meliante até pelo modo de pular um muro.

Quando olhou o corpo de Elza no banheiro, mãos amarradas nas costas, fita adesiva na boca e saco plástico enfiado na cabeça, já sabia que as circunstâncias apontavam requintes de crueldade e quem sabe, mensagem aos incautos ou até mesmo aos cautos.

Podia ser um crime passional, mas certamente não era coisa de jovem ou de apaixonado trintão.

Não, não se fora coisa de amor, era de mais velho, daqueles que se acham donos, proprietários do objeto amado. Ameaçado por alguém mais jovem, ferido no orgulho de macho velho, partia para o revide exemplar.

Se fosse o caso, nem adiantava procurar digitais, DNA ou coisa que o valha. Leão na descendente, não suja as mãos. É suficientemente rico para arrumar quem faça e suje.

O nó é que Elza não reagiu. Conhecia o assassino. Não gritou e certamente não reagiu por medo ou confiança. Provavelmente quando se deu conta, já era tarde.

A outra hipótese para tata crueldade era recado, assim morre quem nos trai ou se engraça. Mais ai a motivação só podia ser droga.

Deu uns apertos na Aurora, que se esquivou bastante e com algum sucesso, até ficar claro, sabia algo, mas fazia questão de deixar bem notado que não tinha parte na história.

Enfim história simples. Elza estava ganhando e gastando acima do normal. Comprava e vendia o ecstasy que rolava no 705. Ultimamente andava cheirando coca, sem tirar nem por. Era refinada o suficiente para evitar crack e cola de sapateiro. Estava de olho no apartamento 706 e queria morar sozinha.

Fazia contabilidade, listagem de fregueses, entregas e compras num pequeno micro que desaparecera. Então era mesmo droga, pensou. Por alguma razão entrara no vermelho, gastara por conta e não andava recebendo como esperado. O pessoal que fornecia começou a ficar impaciente e ela sentiu que a barra ia pesar. Mas, bobagem chama bobagem e besteira atrai besteira, Elza resolveu procurar a polícia na base da cara e da coragem. Contou sua história e sentiu que não era levada a sério.

Não era levada a sério por um lado, mas sua história foi passada ao outro lado rapidamente.

Alguém não estava gostando e chegara a hora de dar um recado exemplar para quem subtraficava, não honrava os compromissos,  e pior, procurava a polícia.

Hiroito tivera sorte, muita sorte, naquele condomínio tão decadente, uma câmara de portaria ainda funcionava e gravara a fatídica manhã de sábado.

O tipo era alto, magro, tatuagem nos dois braços, com olhos chupados de droga, estava de tênis caro, jeans da moda, cheio de rasgões e camisa colorida que parecia havaiana. Caminhava resolutamente e não fazia questão da câmera ou achava que ela não funcionava, assim como o elevador dos fundos.

Alias, Hiroito já aprendera, esse pessoal da droga não se escondia nem se ocultava quando era para dar recado. Parecia que tinham costas largas e que mesmo presos teriam, boa vida na cadeia e saída breve.

Levou o DVD gravado e apelou para o José Maria do DENARC.

— E o Valverde -  informou o colega. Trabalha para o Torres, mas não vai entregar ninguém. Vai assumir numa boa.

Dito e feito. Valverde confessou sem delongas crime e motivo.

— Dívida grossa de droga, avisada faz tempo.

O resto correu fácil. Tinha esperado Aurora sair e entrara no apartamento. Elza o conhecia e não reagiu, não devia ser a primeira visita ou recado.

— Vamos dar um passeio. Para evitar que você saia correndo vou amarrar suas mãos. Se tentar qualquer bobagem, vou desfigurar seu rosto com a navalha e deixar você sangrando. Levanta, vamos passar primeiro no banheiro e arrumar sua cara.

Depois que Elza deixou que ele a amarasse as mãos nas costas a sentença estava traçada. Fita na boca, saco plástico na cabeça e joelho nas costas foram só detalhes.

Elza lutou, mexeu a cabeça, debateu-se, tentou respirar, tudo em vão. Foi ficando roxa e quieta.

Recado dado, Valverde foi embora, nem cruzou com Aurora, na câmera era visível o micro da contabilidade  debaixo do braço.

Hiroito não gostava de drogas, delas, do dinheiro solto que corria e dos crimes correlatos, homicídios que faziam o cruzamento do DHPP com o DENARC.

A polícia vira e mexe chegava ao submundo e o canto das drogas era o mais escuro e sórdido. Penetrava favela e monções, era destrutivo e todos sabiam. Para alguns era como a hipnose, a fuga do mundo real, o olhar hipnotizador da cobra. Mesmo sabendo que caminhavam para dentro do monstruoso e enorme forno, não conseguiam escapar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário