DUVIDO QUE Dê CERTO - Suzana da Cunha Lima





DUVIDO QUE Dê CERTO
Suzana da Cunha Lima

- Duvido que dê certo. Nem precisa ser gênio para saber disso. – Siqueira afastou a papelada de cima da mesa e voltou seu olhar para o computador.

- Mas você nem  me deixou explicar direito o plano todo - resmungou Elisa, recolhendo os documentos -  Será possível que tudo que planejo você acha que não funciona?

- Sou realista, meu bem. Conheço bem este clube.  Você pode colocar um tanque de guerra com cartazes na porta da frente, que o pessoal nem olha.  Pelo menos não olha os cartazes.

- Fica difícil trabalhar assim, Siqueira.  O chefe quer este projeto pronto para a próxima reunião que é daqui a três dias e tudo que idealizo ou planejo você dá o contra, sempre duvidando ou que o pessoal não olhe a propaganda, ou que não goste, ou que não dê certo.

-  O que pode dar errado num simples programa de perguntas e respostas? Nem vai custar praticamente nada, a não ser um pouco de papel.  E agora é uma espécie de teste, para ver a reação do público e depois fazer os ajustes.  Um balão de ensaio.
- É que, caso não dê certo, nossa credibilidade vira pó, vai para o brejo, entendeu? Duvido muito destas suas ideias culturais, sabe? O pessoal vem ao clube para relaxar, fazer ginástica ou praticar esporte.  Duvido que  queiram queimar a cuca  pensando em respostas para estas perguntas.   Ah, duvido mesmo...

- Já lhe disse que é um teste apenas.  Como vamos saber se vai dar certo se nem experimentamos? Ah, para ficar assim, com você duvidando de tudo que apresento, prefiro sair daqui - Resmungou Elisa, se levantando da cadeira.

- Bom, não precisa ser tão radical. – refletiu ele, temeroso de perder uma funcionária tão competente. – Quer experimentar? Está bem, então faça, vá.  Como teste, não é? Não tenho verba para suas loucas experimentações. E um conselho, nada de pergunta difícil demais. Cultura é uma coisa, verborragia pernóstica é outra.

Elisa sorriu contente e saiu para sua sala ansiosa para costurar bem seu projeto e mostrar à Diretoria como se organiza uma proposta simples e bem feita.  Digitou oito questões simples em papel A-4,  cortado em dois e colocou-os em sua mesa.  Oferecia o teste a todos que por ali passavam e eram muitos, porque sua sala era próxima da Xerox, impressora e fax, pedindo que tentassem responder à pergunta.  Ela oferecia três alternativas, assim, o teste não ficou muito difícil e o pessoal acabou se divertindo e até perguntando quando seria a próxima pergunta.  Com tanta adesão, Elisa conseguiu elaborar uma planilha onde constava o número de participantes e os acertos.  O resultado foi surpreendente.

 Ela então levou-o direto para seu superior, baipassando Siqueira, porque não aguentava mais ouvir o lenga lenga dele, duvidando de tudo que não fosse ele o autor.

Quando terminou, o apresentou diretamente ao seu Chefe Superior e foi muito elogiada. – É sua ideia mesmo, Elisa?  Ou o Siqueira andou dando uma mãozinha? Aliás, ele já sabe deste projeto?

- Ele sabe, mas duvidou de tudo a respeito: do interesse dos sócios, de minha capacidade para operacionalizá-lo etc. etc. Ele duvida de tudo, senhor. Se a gente não tenta nem ousa, como saber se vai dar certou ou não, não é?  E se o projeto falhasse, a gente pensaria em fazer alguns ajustes, direcioná-lo melhor ou em outra coisa diferente, não é?

O Chefão riu satisfeito. – É de gente assim que a gente precisa, Elisa. Não podemos ficar na mesmice ou somente naquilo que dá certo. A Cultura é dinâmica, mas, ao contrário do esporte, temos que levá-la ao povo, por si só ele não vem a nós.  Bom, vamos fazer uma surpresa ao Siqueira agora.

Surgiram na sala do Siqueira, que tomava café olhando sonhadoramente para fora da janela. Quando eu for Diretor, divagava, vou dar uma mexida e tanto aqui. Estes jovens  vem com estas ideias de jerico, só para aumentar o trabalho da gente..- e aí percebeu o Chefão entrando na sala com Elisa. Levantou-se rápido: Oi Chefe, a que devo a honra? Aceita um café, está quentinho.

- Ah, obrigada Siqueira. Já tomamos. Você viu o trabalho aqui de sua funcionária?
- Pois é, Chefe, o senhor desculpe a moça aí, eu bem disse a ela que não ia dar certo.  Duvido muito destas novidades ditas culturescas.  Estou aqui há um século, já sei bem o que os sócios gostam ou não gostam. É um pessoal difícil, sabe?  Mas eu permiti a Elisa fazer esta experiência porque já não aguentava mais a insistência dela e suas ideias mirabolantes...


- Não se preocupe com isso não, Siqueira  Eu gostei muito e os sócios também. Já chegaram muitos elogios aos meus ouvidos.  De modos que, o Setor de Criatividade do Departamento vai ficar com ela. E Elisa se reporta diretamente a mim.  Você fica aí com seu importantíssimo serviço de rotina. Estou lhe  despromovendo para o novo Encarregado do Material Impresso e quetais. Você sabe, Xerox, scanner, fax, estas coisinhas que você sabe fazer tão bem.  E não me faça duvidar de sua capacidade para gerenciar estas máquinas, veja lá!

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