VIVENDO DE CAFÉ
Oswaldo U. Lopes
Fábio
Gentil Guimarães era rico, muito rico, empresário do ramo de café, entendia do
riscado como poucos, inclusive era capaz de sentar na famosa mesa rotatória e
ficar provando e cuspindo café a tarde toda.
Morava em Santos que ainda era o local
certo para vender e comprar café. Tinha investido parte de sua fortuna em
terras todas no norte do Estado de São Paulo e todas plantadas, quem diria com
cana de açúcar e laranja.
Gostava de dizer que vivia do café, mas
não tinha um palmo de terra no qual estivesse plantado um pé de café.
Para não parecer ingrato, na belíssima
varanda de seu apartamento na Av. Ana Costa eram visíveis quatro lindos pés de
café, todos plantados em vasos. Tratava deles , adubava, podava e até colhia
frutos, só não permitia que eles tivessem raízes no solo, no chão, na terra
enfim.
Isso vinha de longe, seu pai Fabrício
Gentil Guimarães descendia do Barão Feliciano e nunca nenhum deles possuíra um
pé que fosse de café enraizado.
Até tia Eulália que morava em Paris,
rica a mais não poder e entendia como poucos de tipos, peneira e torrefação,
tinha terras, mas com café plantado, nenhuma.
Aquilo virara marca de família, história
falada e conhecida, pintada e aumentada. Todos comentavam como, na família,
eles ganhavam quando outros perdiam, como estocavam montanhas de café antes da
geada e por ai a fora.
Fábio era casado com Ermínia Sales
Guimarães de tradicional família cafeeira, com a qual tinha dois filhos.
Davam-se bem na base do contraste. Ela administrava terras, plantava café,
colhia, beneficiava e vendia. Ele não ia às terras dela nem de férias e não
comprava o café que ela produzia. Para sua singular tristeza, os dois filhos
pareciam ter puxado a mãe, tinham os pés na terra. Nenhum tinha jeito ou gosto
pela bolsa de café, que dizer pelo perigoso jogo que ele adorava. Examinar
sacos no armazém, comprar lotes ainda para entrega, vender café que não tinha e
outras manobras típicas do mercado eram coisas que não seduziam os meninos,
como ele os tratava.
Adélia fazia o meio de campo. Começara
como arquivista no escritório e fora subindo e assumindo, secretária, gerente,
diretora, faz tudo.
As invejosas de plantão chamavam-na de
Seu Fábio II. Adélia sabia disso, porque naquela empresa sabia de tudo e mais
um pouco, mas não ligava. Dava-se bem com D. Ermínia e entre ela e seu chefe
fazia um meio de campo desses de fazer a torcida babar ou odiar dependendo de
que time fosse. D. Ermínia tinha certeza
que não tinha sexo naquela conjuntura e nisso estava correta. Mesmo as
invejosas habituais não falavam nessa hipótese.
Ganhava bem, Fábio não era bobo de
deixa-la solta, com a concorrência abutrando em volta. Naquele mercado que era
pura jogatina Adélia era crupiê que entendia do riscado. Os maldosos viam na
devoção dela, uma ponta de paixão. Se havia não transparecia.
O CRIME
Adélia saia antes e chegava antes ao
escritório. Dr. Fábio ficava até mais tarde e mais tarde chegava. Por isso ela
não estranhou que ele não estivesse na mesa, estranhou sim a desordem. Era
ritual, ele arrumava a mesa religiosamente antes de sair. As coisas estavam
dispostas ao acaso, como se ele tivesse saído, meio que de repente. A primeira
luz acendeu na cabeça de Adélia, a segunda quando o relógio da parede tocou às
10 horas. Ele já devia ter chegado.
Meio perturbada resolveu acionar o
Luizão, investigador de policia aposentado, amigo do Dr. Fábio que às vezes
fazia serviços de investigação para eles. Luisão disse que ia já para o
escritório e começaria a investigar. Dito e feito, meia hora depois já estava
instalado disparando telefonemas e perguntas para meia policia.
Não demorou muito e apareceu a
informação sinistra que ninguém queria ouvir. Haviam encontrado um corpo jogado
num dos canais, perto do porto, com um furo no peito que pela descrição era o
cadáver do Dr. Fábio. Gozado essa história dos canais de Santos. Continuavam a
jogar neles os defuntos que, estando fechadas as comportas que davam para a
praia, não apareciam mais em alto mar, mas sim perto do porto.
Luisão nem pestanejou, estavam em
Santos, mas homicídio não era sua praia. Ligou para o antigo colega, hoje
prestigiado delegado, o Dr. Fabrício do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios
e Proteção a Pessoa) e pediu ajuda.
A SOLUÇÃO
O Dr. Fabrício por sua vez passou a mão
no telefone e já foi avisando seu investigador favorito.
— Hiroito, tenho
uma viagem para você, vai relaxar na praia, mas não tem volta de avião porque é
logo ali, em Santos. Procura o Luisão na firma de café Gentil Guimarães &
Filhos que ele te põe a par de tudo. E vê se não fica uma semana por lá que
aqui ainda tem muito que fazer. Rosnou e resmungou.
— Sim senhor,
foi tudo que Hiroito conseguiu murmurar antes de ir para o Jabaquara.
Enquanto viajava Hiroito ruminava o
pouco que sabia. Assassinato de empresário rico e de meia idade tinha sempre um
dos dois Cs, ou era cama ou cofre, amante ou negócio. Os dois juntos era muito
raro.
Rapidamente entendeu o que Luisão lhe
explicava, era pouco, conversou bastante foi com D. Adélia, a senhora do
pedaço, a faz e sabe tudo. Como suspeitava o falecido tinha uma amante, Joana
Sales, meia idade, bonita, remediada, mas gastona. Era solteira e não muito
festeira. O relacionamento pelo que dizia D. Adélia era estável e sem riscos.
Do IML telefonaram com dados da
autópsia, tiro no tórax, transfixante, pistola, mas de calibre grosso dado
quase a queima roupa, pegou direto no coração, deve ter havido morte
instantânea.
Até ai morreu Neves, ou melhor, o Dr.
Fábio. Já tinha o como, o onde não era tão importante, devia ter sido em outro
local com descarte no canal. O porquê é que eram elas.
Debruçou-se sobre a mesa na esperança de
alguma coisa ali encontrada lhe dar uma ideia. Ai notou atrás de si, num canto
da sala, um ruído estranho, como que de uma máquina de escrever antiga. Epa, um
telex em pleno século XXI. Virou-se e lá estava o próprio, dentro de uma caixa
de vidro blindado e fechada a chave.
Adélia tinha a chave, mas nem tocava no
aparelho que só era manejado pelo Dr. Fábio. Este tinha lá suas razões, num
tempo de velocidade fantástica e comunicação instantânea o telex so fazia
sentido pelo fato de ser tecnologia antiquada e fora de uso. Era protegido de
hackers por sua velhice.
Abriu-o e lá estava aquela fita amarela continua,
típica. Lembrou dos seus tempos de academia e louvou-se de ter prestado atenção
nas aulas, com o tal aparelho, que seus colegas desprezavam e faziam pouco
caso.
Leu intrigado a informação que viera
três dias atrás: terríveis inundações no Vietnã derrubariam certamente a
colheita de café neste pais que era o segundo maior produtor do grão no mundo,
perdendo só do Brasil em matéria de volume.
Procurou com D. Adélia os movimentos e
negócios feitos pelo Dr. Fábio naqueles dias. Hum! Lá estava, uma compra enorme
de café dois dias atrás de um tal de Ambrósio Freitas. Coisa vultosa, três
enormes armazéns abarrotados de café, pagamento acertado pra sessenta dias.
Mesmo que a alta fosse pequena e na verdade ia ser grande, o lucro dava no
teto. Ali está um dos Cs, negócio como motivo do crime.
Ficava um senão. O que motivara a saída
intempestiva do escritório na véspera? Um postit amarelo, desses que a gente
rabisca enquanto fala ao telefone, forneceu o esclarecimento necessário.
Estavam anotadas três letras: J, S,R.
J era Joana sem dúvida, S não era Sales,
ele não ia rabiscar o sobrenome da amante de quem era intimo de cama e mesa,
portanto era sequestro e R devia ser resgate.
O resto foi fácil e os culpados acabaram
confessando diante do acumulo de provas. Joana queria mais do que ser teúda e
manteúda, queria independência econômica total, em troca disso associou-se a
Ambrósio e auxiliou na simulação do sequestro que atraiu Fábio para a cilada.
Pura vingança já que o negócio do café não poderia ser desfeito.
Na volta Hiroito ia pensando, não é que
desta veze acabaram se associando os dois Cs! Assassinato por causa de cama e
cofre.
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