O DESTINO DE FRANCISCO SALES
Oswaldo
Romano
Jane nasceu numa família de origem
italiana.
Chamava muita atenção pela beleza e agradável
sorriso dessa criança. Quando ainda menina, era notada e admirada pelo singular
sotaque característico da língua, fruto da convivência familiar.
Isso fez com que, querendo se aperfeiçoar,
se dedicasse aos estudos mais aplicados do português. Sua frequência nas
melhores escolas trouxe junto o conhecimento de outras matérias que a destacou.
Aos vinte anos, formada, foi procurada e
contratada pelo Dr. Francisco Sales, homem abastado, filho do conhecido major
Feliciano Sales, aquele sequestrado no Bairro Alto dos Pinheiros. Em razão
disso, assim que livre distribuiu sua herança, premiando seu filho.
Depois de muitos anos prestando seus
serviços ao Dr. Francisco, certa manhã seu chefe não apareceu no escritório como
o fez durante tantos anos.
Preocupada, Jane recorreu aos meios que
dispunha, tentando localiza-lo. O passar das horas, com seus familiares
assustados, Jane, amiga de Luizão, competente investigador, uniram-se nas
buscas. O experiente policial levou-a ao Instituto Médico Legal.
Essa atitude abalou a secretária ao extremo.
Era tudo o que não desejava.
Foram informados de que lá havia um
corpo com suas características.
Tomada de
pânico seu mundo rodou. Segurando-se o que pode no Luizão, foi ao chão. Socorrida,
abanada e aplicado com cuidado um lenço embebido com clorofórmio, sempre
disponível na porta do IML, voltou a si.
Recuperando-se logo foi informada, de
que o corpo não era dele, tinha outra identidade.
Jane estava exausta. Pediu a Luizão que
a levasse para casa.
Quando em casa, jogou-se no sofá, doída
como tendo levado uma surra, sentia-se chocada. Pressentimentos rolavam em sua
cabeça. Os piores. Até então nada clareou, nada ficou sabendo.
Dominada pelo sono, acordou as vinte e
uma horas com o toque do seu celular. Tremeu, procurou recompor-se, aturdida
atendeu.
— Alô, pronto...
E ouviu:
— Não desligue o telefone e ouça com
atenção.
— Sim, tá bom, mas quem é?
— Seu patrão é nossa presa. Se chamar a
polícia ele será devolvido, já viu como, né? Temos gente de olho na sua casa e
na dele. Está me ouvindo?
— Sim, mas...
— Não tem, mas... aguarde um novo
contato.
Desligou.
E agora? O que ela deve fazer? Ficou
estática, imóvel, pensava. Nisso toca o celular. Tremendo susto! Vê quem é.
Ainda bem, é o Luizão. Atende, trocam palavras, ela corta dizendo:
— Me ligue em cinco minutos.
Era o tempo que achou necessário para resolver
como proceder.
De novo toca
o telefone. Ela atende, já vem falando:
— Estou preocupado. Fala, o que
aconteceu?
Faz
silencio... mas fala em seguida:
— Eu vou até o clube tomar um café.
Desliga o
telefone e prepara-se para sair. Luizão que mora nas proximidades, percebe o
recado, acostumado a correrias, faz o mesmo e se amoita a distancia da casa
dela, esperando-a sair. Até então, com muito cuidado, apenas observa, não sabe
de nada, quer proteger, quer assuntar.
Não a perdeu de vista até o clube. Ela
entra e vai direto para o sanitário.
— Opa! Aqui tem coisa, fala Luizão com
seus botões. Mão no bolso, ajeita o revólver, entra no corredor de acesso.
Ela o vê,
chama-o para uma cabine. Conta o acontecido. Conversam por um bom tempo.
Olha o
movimento e dá condições dele sair, entrar no sanitário dos homens de onde vê
sua retirada.
Na casa do Dr. Francisco o clima é
outro. Foram orientados manterem-se afastados obedecendo orientações dele que
já havia se entendido com a Delegacia de Sequestros. Não deviam tomar qualquer
iniciativa e ficarem em absoluto silencio.
Ficou
definido que Luizão seria o ponto inicial de qualquer atitude. Os telefones
fixos da casa do Dr. Francisco, foram desligados.
Jane volta para seu apartamento e no
sofá vai passar a noite aguardando novo contato dos bandidos.
Luizão,
movimentando-se, providencia de que grampeiem todos os telefones envolvidos, e
lhe mantenha informado. Também, acomoda-se em seu sofá.
Dez horas da manhã. Jane recebe o
esperado contato.
— Vá ao escritório. Entre a
correspondência, um envelope azul lhe dará as informações.
— Sim, mas... — Desligam o aparelho. O
chamado veio de um telefone de rua. Luizão não precisa ser informado. Tem on
line pelo grampo. Já sabe de onde veio e qual aparelho. Fica na Freguesia do Ó.
Para um
investigador qualquer, os sequestradores disfarçando estariam do outro lado da
cidade. Mas, para Luizão, não. Estão mesmo na Freguesia. Um golpe de malandros,
há muito manjado pelos decanos da polícia.
Jane no escritório, com mãos trêmulas,
separa e abre o envelope azul. A carta diz: “Não somos pés de chinelos. Deu
para entender? Separem três milhões em notas de cinquenta. Logo daremos prova
de vida. Aguardem novas instruções.”.
Na casa do Dr. Francisco, sua mulher Letícia sem qualquer
notícia, esta ficando louca. Luizão, lembrando-se dela, faz-lhe uma visita.
Apela a tudo que tem direito, para que fique vivendo seus dias normalmente, e
não converse com estranhos. Informa seu marido estar vivo e bem. Lhe dá um
celular diferente dos demais, mostra um grande botão vermelho e ensina:
— Qualquer importante anormalidade,
aperte-o. Eu atenderei. Caso queira minha presença, aperte duas vezes.
A
propósito, a senhora tem a senha do banco, se precisar?
— Claro, nossa conta é conjunta.
Jane encontra-se de novo com o amigo no
clube. Montam o próximo passo. É instruída esperar novo chamado. Provavelmente
darão instruções sobre o dinheiro. Dinheiro que ela já cuidava.
Jane, diga somente que você já tem quase
toda grana. Peça que quer uma foto dele colorida, segurando o Estadão do dia,
primeira página e olhando para a câmara. Eles certamente já esperam isso.
Agora enquanto aguardamos, vou montar
com o DI o momento da ação. Devem suspender algumas folgas. Estão procurando
possíveis cativeiros. Todos os informantes foram alertados.
— Jane,
fique calma. Nada vai acontecer com ele.
— Como você tem tanta certeza?
Será mais
um dia atormentado de espera, certamente sem notícias do paradeiro do Dr. Francisco
Sales.
Manhã
seguinte, 10 horas, toca o telefone:
— Está pronto o dinheiro?
— Praticamente sim. Queremos uma foto
dele, colorida, com o Estadão do dia em suas mãos e olhando para a câmara.
— Estamos perdendo a paciência. Vocês
querem mais, vamos mandar um dedo.
— Escute moço. Estamos colaborando. O
mínimo que estamos querendo é uma prova de vida. Você disse não ser pé de
chinelos. Deve saber o procedimento.
— Tá bem. Amanhã procure no escritório o
envelope azul. Chega de enrolar.
Jane encontra-se com Luizão e vão
aguardar o amanhã. Enquanto isso alguma coisa precisa ser feita. Difícil,
porque fazer o que?
Luizão sugere esconder-se no prédio do
escritório e abordar o entregador do correio. Sabia que o horário era por volta
das 11 horas.
Desde as
9:00 conforme prometeu, montou o plantão. No horário previsto chega o
entregador com todas as cartas do prédio que era ocupado só por escritórios.
Luizão puxa o estafeta para dentro da cabine do guarda. Mostra o distintivo:
— Senta aí. Que caminho você fez com
esse malote?
— Moço o que é? O trajeto de todos os
dias.
— Nesse trajeto, você para em algum bar,
padaria para um café?
— É normal oferecerem. Hoje mesmo parei
na padaria do Manoel, lá da praça. Ali ficam muitas cartas. É ponto de
correspondência de trabalhadores da região e de muitas empregadas.
— Bem, sobre minha investigação você vai
ficar calado. Isto que investigo não aconteceu. Se abrir a boca, você é quem
vai em cana. Agora pode ir.
Olhando o
volume da correspondência, pede ao porteiro que faça logo a distribuição. Não
da abertura ao porteiro do que se trata.
Jane certamente já estaria no
escritório. Funcionários entravam do lado oposto, com controle digital. Luizão,
tinha acesso.
Na rua fez seus contatos, muitos com seu
grupo policial.
Com Jane
no escritório, aguardava a entrega da correspondência, enquanto ela resolvia
problemas acumulados.
Chega o
pacote de envelopes, ambos apressam-se removendo-os.
Nenhum envelope azul.
Procuram
de novo, abrem alguns envelopes suspeitos, nada. Sentem-se na estaca zero.
Em casa Jane recebe novo chamado. Agora
o telefone usado vinha da Chácara Flora:
— Eu disse para não botar polícia. Você
brinca com fogo. O tempo esta se esgotando. Amanhã você vai receber a prova que
quer. Depois fique de plantão em sua casa e aguarde.
Manhã seguinte, Luizão de bengala
caracterizado de velho posta-se na Padaria e numa mesa próxima a que o carteiro
usa, acomoda-se tomando café. Quando o carteiro chega, pessoas que o esperavam
entregam e recebem cartas. Antes de sair deixa algumas no caixa.
Desilude-se. Deu um tempo e foi para o escritório. Jane
quando o viu, deu um grito. Foi momentâneo, logo o reconheceu. Chegou a
correspondência, lá estava o envelope azul. Trazia a foto e as instruções
seriam dadas pelo telefone.
Foi o que aconteceu a tarde:
— Coloque o dinheiro num saco de lixo
preto e amarre a boca com fita azul. O lixeiro vai passar como de costume por
volta das dez da noite. Deixe junto aos demais, recolha-se e não quero ninguém
por perto.
Jane se entendeu com Luizão. Este
acionou mais investigadores e um camburão. Alguma distancia antes da casa,
local mais ermo, renderam os garis e dentro do veículo vestiram suas roupas. Seguiram
com o caminhão, deixando no camburão os lixeiros que apanhavam para contar a
trama.
Sem demonstrar alarme, continuaram
recolhendo os sacos. Esperavam prende-los no caminho do lixão. Provavelmente
renderiam os lixeiros e fazendo barreira com o caminhão fugiriam.
Mas, nada disso aconteceu. Na descarga,
já clareava a noite, procederam de modo
normal, todos atentos. Alguns catadores estão por perto. Um deles se aproxima
da nova carga. Parece que está disfarçado de garimpo. A equipe do Luizão,
antenados, olham-se, ele dá sinais para esperar.
Começa a remexer nos sacos, descartando abrindo espaço. Escutam
a pouca distancia uma caminhonete que vem acelerada, com homens na caçamba. Os
policiais se preparam para um confronto. Luizão destaca um para vigiar o
catador. Ela, aproximando-se não diminui a velocidade, mas passa direto. Foi um
alivio.
Toca o telefone de
Luizão:
— É você Jane? Chegamos no lixão. Vamos
resgatar o saco.
— Me deixe falar, interveio Jane quase gritando. O Dr. Francisco Sales acaba de chegar em casa.
Veio de táxi.
— Que bom, ótimo. Preciso desligar nos
falamos depois. Toda atenção estava fixa nos acontecimentos do momento.
Outros maltrapilhos vasculham ligeiramente a nova carga. Logo
se afastam.
Luizão põem os demais atentos e vai pegar o saco conhecido
pelo amarrado.
Abrem
Só tem papel, jornais rasgados. Um banho incrédulo apodera-se
de todos. Olham-se. sentem-se idiotas. Olham para o Luizão, não demonstra
culpa, fala desiludido:
— Onde foi que erramos?
— Erramos não - ouviu de um deles.
Toca seu telefone, é Jane.
—Posso
falar?
—Pode
Jane. Papel, papel, papel.
— Luizão,
o que você está dizendo?
—O que você
está ouvindo Jane. O saco só tem papel.
Jane emudece.
—Ele completa
- depois nos falamos, ok?
Nesse momento paira no ar uma
desconfiança descontrolada.
Chega o
camburão com os lixeiros.
Desanimados, vendidos, incrédulos, desfazem a equipe.
Há duzentos metros da casa de Jane, é encontrada uma
bicicleta abandonada. Começam as suposições.
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