FELIZ DIA DOS MÉDICOS - Oswaldo U. Lopes


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FELIZ DIA DOS MÉDICOS
Oswaldo U. Lopes

         Alô. É a Dra. Brenda? Este é o aviso final. O dia de amanhã não existirá no seu calendário.

        Que maneira besta de começar o Dia dos Médicos, pensou a doutora. A folhinha a sua frente marcava sem duvida 18 de outubro de 2017, dia de São Lucas e, portanto, em homenagem ao patrono, dia deles: os médicos.

        Apesar do frio na espinha Brenda permaneceu calma. Sabia do que se tratava e o porquê da ameaça.

        Tudo começara há pouco tempo, dois dias atrás para ser preciso. Fora sequestrada na Clínica em que era uma das proprietárias, reputada cirurgiã vascular com extenso currículo. Embora tivesse ainda aparência jovem, 42 anos, detalhe que não costumava omitir, já contava 20 anos de formatura e muita experiência.

        Durante a residência ficara por cinco longos anos dando plantões no Hospital Souza Aguiar. Era uma das maiores especialistas em balas, sobretudo as disparadas. Distinguia calibres quer em radiografias quer ao vivo e a cores. Fora autora de uma memorável palestra sobre ferimentos por projetil em ambiente urbano.

        Onde? No Walter Reed Medical Center em Washington. Bem, mas isto era passado, dois dias atrás, acontecera o sequestro.

        Costumava chegar cedo à clínica, fato que todo mundo sabia. Se tinha cirurgias preferia começá-las por volta das onze. Mal descera do carro na garagem da clínica e encarou três homens fortemente armados que se dirigiam a ela. Outro assalto, pensou, fazia tempo que não ocorria.

A senhora vem conosco, agora.

        E foram-na conduzindo para um furgão Volvo que estava perto. Epa pensou, já lera sobre sequestros de médicos em UPAs pelos morros e favelas cariocas. Numa clínica particular nunca tinha ouvido falar.

        Foi acomodada junto à janela no banco de traz. A seu lado um tipo relativamente franzino encostou uma pistola 40 nas suas costelas. Nada aconteceu enquanto rodavam ainda pela zona sul, quando atingiram os tuneis um capuz foi colocado sobre sua cabeça.

        Pararam numa rua pequena típica de morro e foi rapidamente introduzida dentro de uma casa. Por fora parecia um molambo, por dentro uma enfermaria de Pronto-Socorro, muito bem equipada. Foi levada a um quarto, onde jazia deitado um homem, jovem e de aparência muito forte que já estava recebendo soro.

        Através de gestos simples e claros foi “convidada” a examiná-lo. Tinha recebido uma rajada. O ferimento na coxa não era grave perfurara musculatura e não sangrava.

        O do braço fora pra valer! Partira o osso e rasgara a artéria. A mão e o antebraço estavam já azuis e inchados. Seria necessário removê-lo para um hospital e operá-lo logo.

        Informou sua impressão e a necessidade de intervenção imediata.

Negativo, doutora. Vai ter que fazer o serviço aqui mesmo

Vou precisar de um anestesista. Ele não aguenta uma cirurgia a sangue-frio.

Pelo que sabemos nos tempos do Souza Aguiar, a doutora fazia milagres, com uma tal de anestesia troncular. A senhora faça uma lista do que precisa e terá tudo aqui em menos de uma hora.

        Olhou para eles, olhou as pistolas, olhou para o ferido e sentou-se para fazer a lista.

        Em uma hora recebeu tudo que pedira, precisava de um time destes na clinica pensou, ou mesmo no Souza Aguiar dos velhos tempos.

        Como é que costumavam dizer:

Deus protege os bandidos embora ninguém soubesse por quê.

         Fez a tal anestesia troncular, fixou a fratura com placa e parafusos e grande finale, restabeleceu a circulação na artéria. Viu a mão recuperar a cor e o rapaz foi até capaz de mexer os dedos. Por ultimo colocou o imobilizador de ultima geração e disse:

No mínimo sessenta dias de imobilização. Depois disso, radiografia e consulta com ortopedista. Já aviso que essa não é a minha área.

— Doutora duas coisas:

1- Diga o preço, sabemos que salvou o braço e vamos pagar pelo serviço.

2 – Silêncio absoluto. Se procurar a polícia, vamos atrás até para servir de exemplo. Não tente nenhuma gracinha.

Não vou cobrar, até eu estou maravilhada pelo resultado de tão precárias que eram as condições. Na questão ética, não vai ser bandidagem do Rio que vai me pautar.

        Sentiu um ar gélido em volta, recebeu de novo o capuz e foi deixada na clínica.

        No dia seguinte, véspera de São Lucas, procurou a delegacia de Ipanema e registrou o ocorrido. Era conhecida do delegado e foi muito bem tratada.

        Capuz ou não tantos anos de ambulância, sabia bem por onde andara.  Acharam a tal casa enfermaria naquela mesma tarde, vazia é claro.

        No mais, manteve silêncio total. Ferimento a bala de grosso calibre provavelmente rajada e só. Se resolvera tratar o doente, ele passara a ser seu paciente e assim estava coberto pelo sigilo profissional. Não fez nenhuma descrição dele e se recusou a tentar identificá-lo no álbum da policia.

        O delegado advertiu-a que poderia até ser presa e que estava levando o caso a um juiz que iria querer interrogá-la e não estaria muito a fim de sigilo profissional, sobretudo em se tratando de um bandido. O crime parecia ser acerto entre quadrilhas o que andava na moda atualmente e ia ter repercussões na mídia.

        Continuo calada. Hoje recebera o telefonema fatal. Pouca gratidão e muita bala, era o que a esperava. Olhou no seu lindo calendário para ver qual era o santo de amanhã:

        São Pedro de Alcântara, frade franciscano.


        Sorriu, mas que coincidência para alguém que nasceu em Petrópolis.

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