Sequestro improvável - Ises A. Abrahamsohn

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Sequestro improvável
Ises A. Abrahamsohn

Quando Jane chegou ao trabalho notou a mesa do chefe revirada. Trabalhava com ele desde quando ainda era gerente, há mais de 20 anos. Organizado como era, jamais deixaria a sala em tamanha desordem com tantas pastas abertas sobre a mesa. Apressou-se para começar a por ordem na sala, quando olhou para o relógio. Passava das 7:30, ele ainda não tinha chegado. Outra coisa estranha para aquela manhã. Pontual como era, fazia questão de ser o primeiro a entrar no Departamento, e o último a sair. Ligou para a portaria para certificar-se de que ele não estava na empresa. Ela então ligou para o celular dele, e estranhamente, ele não atendeu. Fez novas tentativas, e nada.  Jane telefonou para a família, que não sabia dele, ele teria saído para trabalhar no horário convencional. Era cedo ainda para acionar a polícia, mas Jane conhecia o chefe, ele não se atrasaria sem dar um telefonema. Jamais!  Esperou até 9 horas e ligou para Luizão, detetive amigo de escola do chefe. Luizão é muito discreto e competente, o Dr. Francisco confiava plenamente nele.  

Esses foram os primeiros momentos do desaparecimento de Francisco Sales, empresário, homem rico,  pai de dois filhos adolescentes, filho do Major Feliciano Sales, o cara mais durão de que se tem notícia.

O detetive não perdeu tempo. Pelo que conhecia do seu amigo Francisco, a quem tratava desde a infância de  Chicão, suspeitou logo de sequestro. Havia que avisar a família e grampear o telefone para quando viesse a chamada dos bandidos. Luizão combinou de encontrar Léo, seu auxiliar preferido para os serviços de telefonia, na frente do prédio do amigo. Assim não perderiam tempo. Tinha que ser delicado ao dar a noticia do provável sequestro para a mulher, dona Marilda,  e aí o Leo já entraria em ação.  Era meio dia quando  Marilda abriu-lhe a porta, apreensiva , mas sem atinar com o motivo da inesperada visita. Luizão contou-lhe o acontecido e fez as perguntas de praxe. Se tinha notado algo estranho no comportamento do marido, ou algum telefonema ou ainda alguém  estranho tentando se informar sobre os hábitos da casa. Nada digno de nota foi o que responderam  a  mulher e a empregada de mais de vinte anos de casa.  Problemas de saúde também o Francisco não tinha.  Era  esportista convicto com ótima forma física, mas não poderia ser descartado algum mal súbito ou atropelamento. Entrementes o detetive já havia checado com a polícia e nos principais hospitais as ocorrências da manhã. Descartadas as causas óbvias sobrava  um possível sequestro. Tinham que esperar o contato dos bandidos.

Luizão conhecia a família. Tinham vida confortável, mas não eram tão ricos de modo a despertar cobiça por grandes resgates.  Francisco  tem  quarenta e oito anos  e há vinte trabalha na mesma firma onde foi sendo promovido até chegar a diretor da sucursal para a América do Sul. Há vinte e três anos casou-se com Marilda que é escritora de livros infantis e aparentemente tem um casamento feliz. Os dois filhos estudam em faculdades fora da cidade.  

De volta ao seu escritório, o detetive acionou de novo os seus contatos na policia e hospitais. Se Francisco ou seus possíveis captores não se manifestassem até a noite iria à policia dar a queixa de desaparecimento. Luizão lembrou-se do pai  do desaparecido, major da polícia militar que tinha colocado um bom número de famosos bandidos  na cadeia.  Poderia ser alguma vingança? Poderia, mas o velho major estava agora com quase oitenta anos e aposentado há vinte.

Lá pelas três da tarde recebeu uma ligação da secretária. No correio do meio dia chegou um envelope endereçado aos cuidados dela mesma, Jane.  O detetive instruiu a moça para não manusear ou abrir. Ele iria até o escritório. Usando luvas  Luizão segurou o envelope. Observou que não tinha vindo pelo correio. Estava em meio às outras cartas na caixa  que o estagiário buscava duas vezes por dia e distribuía entre os vários departamentos.

Uma única folha de papel comum branco com a mensagem em letras de forma e palavras com alguns erros.  As letras apareciam meio tremidas e inclinadas ora para um lado, ora para outro.

 “O FRANCISCO TÁ  BEM
        NADA VAI ACONTECER  SE   MARILDA DEPOZITAR  700 MIL  NA CONTA  568932 -1 BANCO 001 AG 17
O PRASO É ATÉ  OITCHO DA NOITE SE NÃO NÓIS  VAI MANDAR UM PEDASSO DAS ORELIAS SE FOR PRA POLICIA TAMBÉM”

O detetive  ficou desconfiado com a carta. Por que entregaram no escritório em vez de no apartamento? Talvez mais fácil de passar despercebido entre as centenas de pessoas que circulam pelo prédio comercial. O texto mesmo lhe pareceu estranho. Tinha a impressão de que os erros de português foram deliberados. Enfim...  Não podia perder tempo.  Verificou lá mesmo no computador da Jane que a conta era de uma agência do Citi Bank  do Rio de Janeiro. Tinha que esperar até conseguir a identificação do dono da conta.

Luizão ligou para Dona Marilda. Contou que o bilhete lhe parecia algo estranho, mas ela tinha que decidir o que fazer. A mulher nem titubeou.

Vou depositar. É só transferir de banco. Acabamos de vender um apartamento no Itaim e há dinheiro para o resgate. O importante é ter o Francisco (ela nunca o chamara de Chicão) de volta são e salvo.

Uma hora depois Marilda já ligava de volta ao detetive.

Tudo arranjado. Demorou um pouco porque sendo a quantia alta tive que falar com o gerente do nosso banco e fiz a transferência lá mesmo. O nome do correntista, aliás, é uma mulher, é Talita Auxiliadora da Silva. Deve ser cúmplice dos sequestradores.  Estou muito nervosa. Ainda não avisei os meninos. Se tudo se arranjar e soltarem ele amanhã, melhor não incomodá-los. Ficarão desesperados, principalmente a Carolina que é muito ligada ao pai. Sobretudo não avise a polícia.

O Luizão obedeceu.  Trancou a porta do seu minúsculo escritório num prédio próximo ao Fórum e foi para casa. Esquentou no micro o jantar deixado pela Noemi que cuidava do apartamento desde que ele se divorciara. Tinha acabado de ligar o noticiário da TV quando tocou o celular. Era o Francisco. O detetive disparou:

 Já te soltaram, Chicão? Cê tá bem? Inteiro? Cara, que susto! Tua mulher está apavorada, mas ela é muito controlada! Já ligou pra ela?

  Cara, você é um amigo daqueles de criança. O único que sobrou e em quem posso confiar.  Vai ter que me ajudar com a Marilda. Vou te contar.

  Me enchi... De tudo... Da Firma ... De ser Chefe daquela máquina de moer gente.  Estou dando o fora daqui, de tudo, de São Paulo, do Brasil! Encontrei a Talita. Um pedaço! Tudo no lugar certo. Loucura total! Vamos viver em Cartagena. Mar azul do Caribe e tudo mais! Precisava do dinheiro! O avião sai agora às dez.

Luizão, só escutava. Então era isso. Bem quem desconfiara da carta de resgate. O que falar para o amigo? Dar bronca? Bem no íntimo invejava a coragem do amigo.  Largar tudo...


Tá bom Chicão. Aproveita enquanto dá. Você sabe, né? Da vida nada se leva...  Só não vou ser eu a falar com a Marilda. Isso não dá. Ela não merece essa humilhação. Escreve você mesmo uma carta  já que não vai ter coragem de ligar! Isso eu bem sei, conheço você desde os tempos que largou a Elsinha pela Marilda.

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