A ODISSEIA DO DOUTOR FRANCISCO - Carlos Cedano


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A ODISSEIA DO DOUTOR FRANCISCO
Carlos Cedano

O DIA ANTERIOR

Jane ficou preocupada com o Doutor Francisco, nunca o tinha visto desse jeito nos vinte anos que trabalhava como sua secretária, ele era risonho e gentil com todos. Quando lhe entregou os envelopes solicitados Jane viu que suas mãos tremiam, sua fala era confusa e sua cabeça parecia estar em outro lugar, alguma coisa grave tinha acontecido!

O Doutor fechou-se na sua sala falando no seu celular, ficava em silêncio por longos períodos e suas respostas não passavam de monossílabos. Jane não conseguia escutar muita coisa de lá da sua mesa, o Doutor falava baixo contrariando seu tom habitual. Quando acabou, Francisco chamou-a e pediu-lhe para “bloquear” todas as ligações do telefone fixo que não fossem de um senhor de nome Armando, somente atenderia ele.

Uma hora depois chegou a esperada ligação, o Doutor atendeu e seguiu-se outra longa conversa, suas poucas palavras eram “sim” ou “entendi”, parecia estar recebendo instruções do tal Armando. Quando o Doutor acabou chamou Jane e lhe disse:

— Jane, dispense todo o pessoal por hoje. Preciso trabalhar com tranquilidade e silêncio.

— O senhor vai precisar de mim Doutor Francisco? Perguntou Jane ao tempo que viu muitos papeis encima da mesa, pastas de processos numa cadeira. Também enxergou num canto da sala, uma pequena mala de viagem.

— Obrigado Jane, não preciso, vejo você segunda feira. Foi a resposta de seu chefe dando a conversa por encerrada.

Jane ficou ainda mais preocupada, não imaginava o quê estaria acontecendo com ele, não encontrava na sua memória em todos esses anos de trabalho, nenhum detalhe ou lembrança que explicasse seu comportamento. E esse tal de Armando, quem é? Nunca escutei falar dele! Jane saiu pensativa do escritório, apertou o botão do elevador, desceu e foi para casa encucada com a situação vivida nesse dia, por fim disse para si mesma: Segunda feira todo será esclarecido... Acho!


O SEQUESTRO


Segunda feira como de costume, Jane chegou ao escritório às sete e meia da manhã e foi para a sala do chefe, mas ele não estava, surpreendeu-se porque ele sempre chegava às sete horas, sendo sempre o primeiro a entrar e o último a sair.

Contrastando com a habitual organização, sua mesa estava revirada, com pastas e folhas encima da mesa e esparsas pelo chão. Jane tratou de arrumar a sala, mas sua atenção foi atraída pelo relógio de parede que marcava oito horas o que a alarmou ainda mais. Ligou varias vezes para o celular dele que continuava a cair na caixa postal,  sem atender aos pedidos de retorno. Ligou para a família e ninguém sabia de nada, todos estavam nervosos e angustiados, não o viam desde a sexta feira de manhã quando foi para o escritório,  não se sabiam seu paradeiro. A polícia foi avisada e a família esperava noticias.

Jane tratou de serenar-se pensando no que podia fazer,  lembrou-se de Luizão, tenente da polícia de investigações criminais e amigo do Doutor Francisco desde a escola. Luizão era discreto e competente e o Doutor confiava nele. Ligou para ele e pouco tempo depois o detetive estava no escritório. Jane o colocou a par dos acontecimentos e das circunstâncias do desparecimento do chefe.  Luisão perguntou:

— Você mexeu em alguma coisa na sala do Doutor?

— Não Luisão, tudo está como ele a deixou, desarrumada como você pode ver, deve ter saído com muita pressa!

Ok! Disse Luisão, vamos examinar as possíveis pistas que Francisco possa ter deixado.  Recolheram a papelada do chão e os que estavam encima da mesa, revistaram as pastas uma a uma que continham documentos confidenciais sobre processos judicias em andamento. A pasta mais mexida era a de um cliente de Campinas.

— Por sinal, disse Jane, esta sexta feira o Doutor Francisco faria a defesa de seu cliente contra outra parte na justiça de Campinas, tem muito de dinheiro em jogo e sua ausência poderá prejudicá-lo.

— Entendi - disse Luisão - mas preciso saber os nomes das partes envolvidas, você poderia levantar essas informações?

— Certamente, respondeu Jane, será fácil localizar os nomes, eles aparecem no próprio processo, vai demorar um pouco, mas vou conseguir!

Luisão aproveita e liga para amigos na polícia pedindo para localizar o carro do Doutor. Também liga para um amigo na Operadora de Celular para saber das ligações no celular do desaparecido desde a sexta feira e também aquelas feitas para o telefone fixo de sua empresa de advocacia, pediu para considerar a origem e destino das ligações e respectivos horários; seu interlocutor lhe pede vinte e quatro horas para entrega-lhe a informação solicitada o que o detetive considerou um prazo razoável.

Luisão recebe as informações concluídas por Jane; o detetive as lê e disse:

— Jane, você sabe se o Doutor guardava dinheiro aqui ou tirou dinheiro do banco na sexta feira?

— Ele sempre tinha no cofre, reais e dólares, mas não sei quanto, ele era o único que sabia a combinação. Quanto aos bancos, ele tem dois, posso informar-me com os gerentes, eles me conhecem e ainda não são cinco horas.

Meia hora depois Jane volta com as informações dos bancos e disse:

— Detetive Luisão, falei com os dois gerentes e em ambos confirmaram que as contas do Doutor Francisco não foram movimentadas para retiradas ou depósitos desde a quinta feira.

Quando estavam para ir embora o celular de Luisão toca, responde, escuta durante breves minutos e disse:

— Sim, capitão. Entendi, e concordo com o senhor, muito obrigado e boa noite.

Luisão vira-se para Jane e disse:

 — Agora somente faltam duas coisas, disse o investigador.

— Quais? Indaga Jane.

— O informe sobre as ligações telefônicas e falar novamente com uma pessoa chave!



O DESFECHO

No dia seguinte, terça feira, Luisão liga cedo para Jane e lhe pede para encontrá-lo às seis horas da manhã no escritório do Doutor Francisco. Jane não pergunta nada, termina seu café,  vai direto para o escritório.

À porta do prédio Luisão já a esperava com uma cara de noite mal dormida, mas parecendo contente. Ele se adianta:  

 — Boas notícias Jane, conseguimos essa noite resgatar o Doutor Francisco Sales das mãos de perigosos delinquentes, ele realmente correu risco de vida! Mas vou te contar tudo desde o principio para você entender toda a história:

— Tudo começou quando roubaram o celular do filho mais velho do Doutor Francisco. Foi dele que os delinquentes conseguiram obter todas as informações para chantagear o Francisco: Nome do filho, fotos abundantes, nome dos pais, amigos, fotos de sua casa etc. etc., e concluíram tratar-se de uma família de posses. Foi também no celular que obtiveram o número do celular do pai e o telefone de seu escritório. Pelos últimos whatsapps também souberam que ele iria a uma praia onde passaria o fim de semana e ficaria isolado por um bom tempo, além disso, não quis comentar onde se hospedaria, queria ficar tranquilo num pequeno  hotel com uma  namorada.

Munidos dessas informações os meliantes entraram em contato com o Doutor Francisco ameaçando de matar o filho se não recebessem quinhentos mil reais até o meio dia. Eles sabem que nesses momentos os pais entram em pânico e, além disso, as informações dadas pelos bandidos eram reais. Lembrou quanto dinheiro tinha no cofre e calculou que não era mais de trezentos mil reais e começou a negociar.

Após muita conversa os criminosos concordaram com os trezentos mil reais e marcaram um encontro a meio dia no mesmo lugar onde depois foi encontrado seu luxuoso carro, os criminosos agora tinham certeza  de ter em mãos um “peixe grande” e decidiram sequestrá-lo. Pegaram o dinheiro e quando o Doutor perguntou por seu filho, obrigaram-no a entrar num outro veículo e levaram-no para uma casa que foi seu cativeiro até ontem. Imaginou Jane a angústia desse pai sequestrado, sem saber a verdadeira situação de seu filho? Sua estratégia só poderia ser a de resistir ao máximo para não dar as senhas de seus cartões e ganhar tempo para que a polícia o localizasse.  Eles o torturariam,  mas em qualquer situação, falando ou não, ele seria morto porque com certeza reconheceria os três bandidos se ficasse vivo.

E como souberam onde estavam os sequestradores? Indagou Jane.

Essa parte foi a mais difícil Jane, mas eu já tinha informado ao Coronel da Polícia Feliciano Sales, pai do Doutor Francisco, da situação do filho. O Coronel é bastante famoso por ser objetivo e durão, é chamado por seus colegas de Pitty Bull. Foi ele que conseguiu antecipar os dados sobre as ligações telefônicas e assim pudemos saber que se tratava de uma casa na chamada Lapa de Baixo aqui em São Paulo. Também sabíamos que o carro do Doutor tinha sido abandonado numa rua na Barra Funda “carregado” de impressões digitais que estão sendo analisadas, isso nos indicou que o Doutor nunca saiu de São Paulo o que posteriormente foi confirmado pelo relatório da Operadora.

Finalmente, disse ainda Luisão, era necessário identificar o local exato onde estaria o sequestrado, o procedimento foi pedir ao chefe da polícia da Lapa de Baixo quais seriam os prováveis lugares e casas dos sequestradores.  Para tal o chefe da polícia chamou um grupo de seus subalternos que conheciam a Lapa de Baixo de “cima para baixo”. Quando explicamos aos policias de que se tratava e do tipo de delito cometido vários deles deram informações de duas ruas onde provavelmente estaria a vítima. Discretamente foi feito um reconhecimento das duas áreas e foram montados dois grupos para percorrê-las. Por volta das duas horas de hoje um grupo identificou uma casa com um movimento atípico de pessoas agindo de modo suspeito. O Coronel e o chefe de policia concordaram em invadir a casa com rapidez e decisão e... Bingo! Era a casa procurada. Não houve resistência, os delinquentes entregaram as armas sem atirar, na casa havia muitas crianças e mulheres provavelmente parentes dos próprios delinquentes. Tudo isso está sendo apurado e também vamos saber qual dos três se fez passar por esse tal de Armando.

— E o Doutor Francisco, como está ele, Luisão?

— Bom Jane, ele está muito abalado e com enorme sentimento de culpa pelas vaciladas que acha que cometeu. Vai demorar um bom tempo para recuperar-se emocionalmente, mas a família deve estar dando todo o apoio que precisa. Após o resgate o Pitty Bull chorou como uma criança, pai é pai né, Jane?

Jane só chorava, suas emoções tinham estado muito tempo represadas. Luisão levantou e disse

— Agora vou para casa tomar um banho e dormir bastante, estou precisando.


— Até a próxima Luisão, disse Jane não sem uma certa tristeza pela despedida.


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