O BODE VELHO - Maria Luiza Malina


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O BODE VELHO
Maria Luiza Malina

Vou ser direto. Nunca fui homem de meias palavras, aliás, violei todas as simetrias das palavras, o que na verdade, originou meu apelido de Bode. Coitado do bode, dele mesmo só tenho o cavanhaque e as pernas finas. Ah sim, berrava o tempo todo as tais palavras inelegantes sem no entanto ser devasso, o que me levou a vida solitária.

Papai do céu ou Papai Noel, cada um no seu espaço, onde sequer eu cabia. Não sofria por isso. Era um forte candidato às voluntárias da boa vontade. Não me irritavam, retribuía com um desatento olhar sonhador que as fascinava.

Um dia este mesmo olhar fascinador transformou minha vida. A chuva rasgava a sarjeta arrastando tudo o que vinha pela frente. Afastei-me do ponto de ônibus. Neste momento alguém gritou:  – Corre bode velho senão a água te engole -  Não procurei saber quem era, como não reconheci a voz. Na padaria, um café, a xícara branca colocada a minha frente exalando o forte aroma da bebida,  remeteu-me ao alpendre da fazenda dos meus avós. Aspirava profundamente segurando-a entre as duas mãos apalpando seu calor. Inspirava, aspirava. Inspirava, aspirava junto às lembranças.

Senti alguém tocar meu ombro. Era o cheiro adocicado da adolescência. Virei-me.

Vamos vovô, eu te dou uma carona na minha sombrinha. A chuva já está passando. Você me paga um “cafe au lait”?

Que surpresa menina! Me diga, como você sabe que a marca do café é Olé

Não é a marca vovô – ria-se  num riso encantador que fazia brilhar ainda mais seus olhos azuis – aprendi hoje na aula de francês que é assim que se pede um café com leite.

Eu a tomei em meus braços segurando seu calor familiar que há muito não sentia.

Tomamos o “café au lait”. A chuva cessou. Caminhamos olhando as vitrines. Era Natal. Foi assim que os aromas então perdidos em mim, voltaram à vida com elegância.


Naquela tarde após a chuva, passei a acreditar no Papai do Céu e no Papai Noel.

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