Espírito do Natal
Ises de Almeida Abrahamsohn
Ruth
parou no semáforo. Era hora do almoço, mas parecia final de tarde. Mais gente
na rua, mais carros piorando o trânsito. Era sempre assim nos meses de
dezembro. Todo mundo se queixava. Fora do carro, calor de 37 graus. Ainda bem que tenho ar condicionado. Olhou para a caminhonete de entregas
ao seu lado e ficou com pena do motorista. Um senhor já perto dos sessenta anos
com o rosto vermelho e o suor escorrendo da testa.
Acho que mexeram de novo no tempo do farol, pensou
irritada.
Do
asfalto via subir tênues nuvens de vapor. Uma delas parecia um fantasminha.
Parece uma miragem no deserto. Acho que estou no
Saara. Daqui a pouco verei camelos atravessando a rua. O vendedor de água deve
estar contente. O único no meio destes rostos mal humorados. O locutor do rádio
já anuncia os corais e concertos de Natal. É mesmo, faltam apenas duas semanas.
Cadê o espírito de Natal? Nenhum rosto descontraído à minha volta. Finalmente vai abrir
o sinal.
Pronto, o idiota atrás de mim já buzinou. Só faltava essa ... Por que raios meu
carro morreu? O cara agora calcou a mão na buzina! Meu carrinho, nada!
Nega fogo! O imbecil continua buzinando... Não aguento mais. Sei que não
devo, mas vou. Quero ver a cara do sujeito.
O
nervosinho abaixou a janela e Ruth, engolindo a raiva, sugere educadamente:
—
Senhor, vamos trocar de lugar. O senhor faz meu carro andar e eu fico aqui
apertando a buzina!
Por
essa ele não esperava!
Nos encaramos, um rapaz de uns trinta anos e eu, que
podia ser mãe dele. Achei que ia soltar um palavrão!
Ele
deu uma risada e respondeu:
—
Desculpe, senhora. Todo mundo fica nervoso com esse calor. Vou ajudar a
desviar o trânsito enquanto a senhora tenta ligar o carro.
Surpresa,
Ruth agradece. Com algumas tentativas o carro enfim pega. O sinal fica de
novo vermelho. Ela acena para o motorista que sorri.
Gentileza faz tão bem! Este deveria ser o espírito
do Natal!
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