Os óculos estranhos
Fernando
Braga
Nosso
grupo se encontra ocasionalmente e dentre eles o Zé Osvaldo, nos contou um fato
ocorrido, que segundo ele, mostrava uma coincidência, que nos dá muito o que pensar.
Disse ele:
—Há
uns quatro meses, estando meu carro no rodízio, pedi emprestado à minha esposa o
carro dela para ir ao dentista. La cheguei, tirei o cartão de estacionamento e
o manobrista se dispôs a tomar conta do veículo, estacionando-o. Após uma hora
estava eu de volta, apanhei o carro, voltei para casa.
No
dia seguinte, usei novamente o carro dela, desta vez para ir fazer uns exames
no Laboratório Fleury, aquele próximo à Ponte Estaiada. O manobrista pediu-me
para sair, que ele estacionaria o carro, estava um tanto lotado. Após uns 40
minutos, lá estava eu de volta, pronto para retornar à minha casa.
Passados
uns 4 ou 5 dias, minha mulher que tem uma vida bem ativa, frequenta dois cursos
onde aprende história, política, economia, junto com suas mais de 30 colegas, e
que frequentemente vai a aniversários, almoços com sua turma, me perguntou:
—Você
sabe de quem são estes óculos?
Peguei-o
nas mãos, olhei- o bem, coloquei em meus olhos e percebi que tinha graus.
Respondi:
—Não
faço a menor ideia. De quem é?
—Também
não sei. Encontrei-o em meu carro! Já perguntei a todas minhas amigas e os óculos
não são de nenhuma delas. Eu, realmente
não me lembro de ter colocado alguém em meu carro, ter dado alguma carona.
—Você
se lembra que alguns dias atrás, pediu meu carro para ir ao dentista e depois
fazer exames?
— Claro
que me lembro!
—Por
acaso você não colocou alguém no carro?
—Claro
que não! Fui e voltei rapidamente. Pergunte a seus filhos e noras se os óculos
não são de deles. Quem sabe!
—Eu
já perguntei e não é de ninguém.
—Então
paciência. Eu não tenho nada com isso!
Eu
vou te dizer uma coisa:
—Estou
desconfiada de que você levou alguém em meu carro.
—Você sabe né, óculos não têm pernas! Se eu
não fui, só pode ter sido você. Para mim, parece ser óculos de mulher. Explique-se!
—Olha
aqui. Não me amole. Não tenho nada com isto!
Zé
Osvaldo neste momento fez pequenos parênteses, dizendo:
—Meus
amigos, sabem que eu cometi um grande erro na minha vida? E não sei se o mesmo
não se passou com vocês.
—Quando
fiquei noivo, frequentemente contava alguns casos de minha vida, no que se
refere a outros namoros, algumas amantezinhas, que como um solteiro, tinha o
direito de ter. Minha esposa, naquela época, tudo ouvia e guardava muito bem em
sua cabecinha. As vezes ela perguntava: - Você não viu mais a fulana, a sicrana
com quem tinha caso? Claro que eu negava. As perguntas se perpetuavam mesmo
depois de casado, quando eu notava certa desconfiança e ciúme. Não é que eu
fosse inteiramente santo, porque umas beliscadinhas qualquer um dá. Mas, eu era
um cara sério.
Pois
bem, voltando ao assunto. Minha mulher, como a maioria delas, confia em seus
maridinhos, mas não totalmente, a ponto de colocarem a mão no fogo. Podiam se
queimar!
Novas
cargas sobre mim.
—Olha,
ainda estou com a presença daqueles óculos em minha cabeça. Não é você que
sempre diz que: —Jacaré encima de árvore
ou foi enchente, ou foi gente? Os óculos continuam no carro, no mesmo lugar
e você não vai tira-lo de lá, até aparecer o dono.
Às
vezes saíamos em seu carro e estavam os óculos, que para mim não parecia de
mulher.
Um
dia eu disse: —Espera aí, da mesma maneira que você duvida de mim eu também
posso duvidar de você.
—Engraçadinho.
Se eu souber que você me traiu, não vai ter mais papo. Um pra cada lado. Não
vou te perdoar.
Após
um mês, fomos ao dentista juntos, ela queria clarear os dentes.
Quando
chegamos ao estacionamento me dirigi ao manobrista e perguntei:
—Você
sabe se alguém perdeu os óculos?
Em minha mente, uma possibilidade era de um dos manobristas terem tirado os óculos, colocado
no vão atrás do câmbio enquanto manobrava o carro e tê-lo esquecido. O senhor
respondeu: - Eu perdi sim. Ao mostrar os óculos, ele logo respondeu:
—Este
não é o meu! Obrigado.
—Em
todo caso o senhor pergunte por aí.
Ficamos
frustrados, mais eu do que ela. Os óculos continuaram no carro no mesmo lugar. Pensei
em retirá-lo, mas pensei se ele sumisse, o que diria minha mulher?
De vez
em quando vinha aquele papo: - Jacaré em cima de árvore ou foi enchente ou foi
gente!
O
tempo passou e após uns três meses, tive que voltar ao Laboratório para fazer a
minha colonoscopia bianual e foi solicitado que viesse com algum acompanhante.
Minha mulher se prontificou a me acompanhar. Chegamos no estacionamento no
subsolo e logo apareceu um rapaz que nos apontou o local de uma vaga. Disse que
poderíamos levar a chave conosco.
Não
sei o que me levou, neste momento, perguntar a ele:
—Você
sabe se alguém perdeu os óculos?
Ele
respondeu. Cerca de uns três meses eu perdi o meu e tive que fazer este aqui,
que me custou 600 paus. Mostrei-lhe os óculos:
—Veja
se são seus.
O
rapaz bateu os olhos, deu um enorme sorriso, colocou-o nos olhos e respondeu:
—Doutor!
Meu Deus! Que sorte! São os meus óculos! Não tinha mais esperanças em encontrá-los.
Logo
percebemos que estes óculos eram muito parecidos aqueles que havia comprado.
Neste momento ele deu um grito a um colega que
estava em uma cabine aberta e disse:
—Carlão,
viva! Encontrei meus óculos! Viva! Viva!
—Muito
obrigado doutor. Não sei como lhe agradecer.
Nos
despedimos. A minha mulher estava quieta a meu lado, mas eu delirante.
—Taí
o seu jacaré encima da árvore.
Respondeu:
—Eu
nem estava mais me incomodando com eles!
—Mas,
você me encheu tanto por causa disso!
—Enchi
nada! Não fique inventando! Vamos!
—Meus
amigos, vejam a coincidência. Eu perguntar para aquele rapaz, sobre os óculos,
bem pra ele, que o tinha perdido. Eu não me lembrava dele, porque são muitos os
funcionários que lá trabalham e em horários diferentes. E tanto tempo depois!
Esta
foi uma das grandes coincidências que ocorreram em minha vida! E a sorte de
minha mulher estar presente naquele momento. Imaginou se eu chegasse em casa
contando esta história, sem os óculos, que havia devolvido ao dono?
Será
que ela acreditaria? Impossível!
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