O caso que o detetive não queria investigar
Ises de Almeida
Abrahamsohn.
O detetive Matos, via
de regra, recusava investigações de infidelidade conjugal. Cedeu apenas porque uma
amiga de longa data, pessoalmente telefonou para pedir sua ajuda para uma
parente. Esse tipo de investigação gerava dois problemas. Nunca se sabia como a
ou o cliente iria reagir ao conhecer a verdade e, em geral, era necessário
seguir os investigados por muitos dias nos vários ambientes que frequentavam. No
caso em questão a interessada era Milena Arantes, nome às vezes citado no
circuito dos ricos e famosos.
Combinaram
encontrar-se num restaurante no Jardim Botânico. A mulher desconfiava das
frequentes viagens de fim de semana do marido. A justificativa era ir com
amigos do clube jogar no novo campo de Búzios. O marido, Anselmo Arantes, nunca
tinha sido dado a viagens aqui no Brasil. Era sócio do Golf Club da Gávea onde
costumava jogar algumas vezes na semana.
O detetive escutou pacientemente
o relato enquanto saboreava o excelente Bordeaux pedido encomendado pela
cliente. O marido era podre de rico. Fortuna de família que ele multiplicara em
espertas aplicações financeiras. Era viúvo, sem filhos, quando conheceu Milena.
Ela divorciada, muito atraente e bem cuidada, sem profissão, à cata de quem a
sustentasse em grande estilo. Trazia a tiracolo os filhos adolescentes, um
rapaz e uma garota. Agora já estavam casados há dez anos e viviam todos no
apartamento de cobertura da Vieira Souto. Os filhos tinham entre vinte e cinco
e trinta anos e, pelo que Matos deduziu, não se dedicavam a nenhuma atividade
profissional relevante. Apurou que eram sustentados pelo padrasto. O detetive
mentalizou o quadro à medida que a tal Milena falava. Vida ociosa e fútil, com mal
sucedidas e passageiras tentativas comerciais bancadas pelo padrasto. Matos se
perguntou se o milionário não se aborrecia de sustentar os jovens parasitas.
O detetive avaliou
a mulher enquanto esta, sem cerimônia, atendia às frequentes chamadas das
amigas pelo celular. Péssimas maneiras, sentenciou. O rosto cuidadosamente maquilado
não conseguiu enganar o olhar atento. Já devia ter passado algumas vezes pelo
bisturi. A pele do rosto e do pescoço perdera o viço, e o dorso das mãos e o
pescoço denunciavam a idade. Devia ter uns cinquenta e cinco anos, idade
próxima à do marido. Matos delicadamente perguntou, por hipótese, o que a
cliente pretendia fazer com a informação que ele traria. A cliente respondeu
que, de início, queria apenas saber aonde o marido ia e com quem se encontrava;
não tinha ainda ideia do que iria fazer. Recusando a sobremesa, Matos se
despediu, prometeu para logo alguma informação.
O táxi deixou-o a
algumas quadras do apartamento. Gostava de caminhar pelo calçadão para aclarar
as ideias. Estranha mulher, pensou. É
óbvio que vivem um casamento de conveniência. Aliás, tremenda conveniência,
pois o marido a sustenta e aos filhos, dois vagabundos, numa vida de luxo. Já
está bastante gasta; não deve querer o divórcio, não acha outro cara igual. O
melhor seria ignorar a existência da amante. Há algo mais dessa história que
ela não contou e que, por enquanto, não percebo.
Ao chegar ao seu prédio
no Leme acenou para o Gouveia dono do bar no térreo. Recusou a oferta do chope;
ainda conversava com o cassoulet do almoço.
Em casa ligou para
o seu auxiliar, Jovelino, e incumbiu o jovem de seguir o milionário Anselmo.
Indicou-lhe a locadora para buscar o carro. Tinha conseguido um Gol prata usado
ideal para a tarefa. Teriam que esperar até o dia seguinte, sexta-feira.
Jovelino estacionou
o carro bem cedo na rua lateral bem próximo à esquina. Não tinha visão da
garagem do prédio e na avenida era proibido estacionar. De bermuda e tênis
palmilhou inúmeras vezes o calçadão, sentou em bancos lendo jornal, tomou água
de coco, refrigerante, enfim tudo para
matar o tempo sem perder de vista o prédio, exceto pela rápida aliviada da
bexiga que estourava com o líquido ingerido. Eram cerca de onze horas quando
viu o discreto Volvo preto do tal Anselmo aparecer no portão automático. Correu
para o carro e conseguiu ainda ver o Volvo que se distanciava. Jovelino
seguiu-o pela ponte Rio-Niterói. Depois o carro tomou o rumo dos Lagos. Não se
dirigia a Búzios e, contornando a lagoa de Araruama, chegou a uma confortável
pousada em Arraial do Cabo.
Algumas horas
depois Jovelino ligou para o Matos.
̶ O ricaço está
aqui na Pousada dos Ventos. É freguês assíduo. Soube pela arrumadeira que a
moça chega depois. Bem mais nova que ele, bonita, loira, bem vestida, deve ter
perto de uns trinta anos. O carro dela, também tem placa do Rio. Ela não registra
na mesma pousada. Fica em outra, bem pequena, na praia Seca na outra ponta. Durante
o dia fica com o cara, depois volta para a pousada da praia Seca. Não consegui
informações lá; a pousada é pequena e só os proprietários trabalham. Mas
passo-lhe a placa do carro. É um Kia azul, já estava lá, mas não vi a dona. Vou
ver se consigo foto quando ela sair da toca.
Já eram quase cinco
horas e o detetive tentou, mas não conseguiu, alcançar o seu contato no DETRAN para
identificar a dona do Kia. Resolveu descer para espairecer no bar do Gouveia.
Estava inquieto com aquele caso. No segundo chope tocou o celular. Era a Milena
querendo já alguma notícia sobre o paradeiro do marido. Hesitou... Não gostava
de soltar informação aos pedaços antes que pudesse ter uma clara ideia dos casos
que investigava. A fulana insistiu e ele afinal resolveu contar o paradeiro do
marido e da moça loira ainda não identificada.
̶ É ela,
vociferou a mulher... Ele quer me despachar por uma sirigaita atrás da grana
dele... Falou que me daria uma pensão, mas para mim não tem só a pensãozinha
que ele quer dar! Quero saber já quem é essa vigarista!
E continuou
despejando a sua ira no ouvido do Matos, que já se arrependia de ter passado a
informação. Interrompeu-a dizendo que no dia seguinte teria uma fotografia e a
identidade da moça. Desligou e suspirou, mais uma vez amaldiçoando de ter
aceitado esse caso!
Às três da manhã
foi acordado pelo telefone. Era o Jovelino.
̶ Chefe. Tá
sentado? Não vai acreditar. A tal madame, a mulher do ricaço... Ela e o filho
vieram prá cá, prá pousada da praia Seca. A polícia está aqui e é um reboliço só.
Prenderam os dois, faz umas duas horas que tudo aconteceu. Eu estava dormindo
numa casinha aqui perto e acordei com o barulho dos carros de policia e da
vizinhança que saiu prá rua espiar o acontecido.
Consta que o rapaz conseguiu
entrar na pousada pela porta da cozinha e subiu ao quarto da moça. Os proprietários
moram na edícula e nada escutaram. A moça loira era a única hóspede. No escuro, com a lanterna do celular localizou
a cama ocupada. Deu dois tiros de pistola com silenciador na direção do
travesseiro. Ao sair acendeu o abajur para se certificar que a vítima estava
morta. Foi quando deu um grito alucinado acordando os donos que vieram
correndo. O rapaz uivava sem parar: ̶ Matei minha
irmã! Matei minha irmã! Saiu tropeçando
e gritando desvairado na direção do carro. A mulher, quando entendeu, desmaiou!
O Matos atordoado
desligou. Estava arrasado. Não havia o que fazer.
̶ É por essas e
por outras que não devia ter aceitado esse caso!
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