Ah,
primavera!
Suzana da Cunha Lima
Entramos em grande rebuliço na churrascaria, roxas de
fome. Esbarrei numa estátua de cavalo que estava bem à entrada, e levei grande susto, pois pensei tratar-se
de uma animal vivo. Minhas amigas começaram
a rir do meu engano, o que me fez ficar muito sem graça. Observando meu constrangimento, um homem saiu
do lugar onde se grelhava o churrasco e perguntou-me com muita delicadeza:
- Vai um vinho ou cerveja para acompanhar o assado?
Isso distraiu um
pouco minhas companheiras, enquanto resolviam o que beber. Decidida a questão, se
detiveram a olhar atentamente o cardápio, embora fosse um rodízio, mas esta
trégua deu-me um pouco de tempo para observar melhor a pessoa que viera em meu
socorro. Alto, talvez uns 40 ou 45 anos,
já grisalhando, e que se movia com muita
graça e desenvoltura no meio das mesas, recolhendo os pedidos, ouvindo
reclamações e se esquivando de cantadas. Cantadas, sim, porque era um homem bem
charmoso. Pensei, a princípio, que era o garçom ou maitre, mas na verdade, era o dono.
Ele se aproximou de mim e convidou-me a observar melhor
o cavalo que havia me assustado, uma réplica perfeita em tamanho natural.
— Foi meu pai quem fez, informou-me com muito orgulho.
Mexe com qualquer tipo de madeira, faz com ela qualquer coisa. – Admiro muito
quem tem alguma habilidade manual, porque não tenho nenhuma, disse meio sem
graça. – Você tem outras habilidades, com certeza, falou maciamente, com uma
pitada de sedução na voz. – Ante meu silêncio, continuou:
- Vai me permitir descobrir quais? – Olhei-o meio
desconfiada, mas seu olhar era de um azul tão intenso, líquido como o mar e
tão puro de qualquer malícia que
concordei, sem saber muito o que ele queria dizer com aquilo.
Fui saber depois, ao tempo em que as flores brotavam
coloridas, seu aroma penetrando em todo os cantos e recantos daquela bela
estância em Gramado. Enquanto
descobríamos as qualidades e habilidades de cada um, a primavera se fazia
presente em todos os jardins, em todos
os canteiros e em todos os corações que também desabrochavam para o amor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário