CIBELE, A SEREIA DO AMAZONAS - Oswaldo U. Lopes


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CIBELE, A SEREIA DO AMAZONAS
Oswaldo U. Lopes

        Cibele é uma sereia, bonita com aspecto muito jovem embora estivesse entre aquelas que quase encantaram Ulisses com seu canto. Logo, sabemos que canta lindamente e fala também. Gosta de conversar com os botos de quem é muito amiga e cuja linguagem entende e fala com perfeição.

        Faz tempo que deixou a Grécia e se enfiou pelo Amazonas indo viver no Tapajós porque gosta de águas claras e límpidas. Nada de modo rápido e preciso e quando quer ver o mar sai nessa direção e só para na praia do Atalaia em Fernando de Noronha, famosa pelas águas cristalinas.

        Já foi amante de Netuno e por isso tem extraordinário poder sobre todos os seres, animais e plantas que vivem nas águas.

        Já salvou muito pescador de barco virado e também jangadeiro errante, leva-os tranquilamente para a praia ou margem onde os desembarca e eles acordam perdidos de paixão, falando coisas sem nexo, tais como:

- Uma sereia me trouxe...

        Irrita-se muito quando algum boto brincalhão lhe pergunta sobre os afogados “que você levou na outra direção”.

        Não gosta de interferir na vida e nos conflitos dos animais que vivem ou se aproximam da água, embora de poderes quase ilimitados não acha próprio meter a mão no curso da natureza. Só o faz, quando faz, para socorrer pescadores, animais ou crianças muito, mas muito jovens.

        A mesma coisa vale para mães e animais do gênero feminino que estejam prenhes. Vela por elas como se fosse por si mesma.

        Ai esta a nossa sereia Cibele, jovem de juventude eterna, poderosa na água quase que sem limite, a não ser os que a si mesmo impôs, falante, talvez até demais, domina a língua dos homens, dos botos, dos peixes e até das ostras.

        Com estas, troca favores por perolas. É vaidosa e os colares que ajunta não tem iguais no mundo. Evita os agressivos tubarões que também tratam de evitá-la do mesmo jeito, por temor a sua varinha que dá choques elétricos de alta voltagem.

        Parece que por volta do ano 100 ainda no Império Romano ganhou a vareta de um bando de enguias que salvou de uns pescadores no mar da Galileia.

        Foram sem número os homens por quem Cibele se apaixonou e que é claro por ela perdidamente se envolveram. O canto era irresistível e alguns até endoideceram e ficaram a ouvir as vozes quando o romance terminou. Fiel, só a si mesma, é a encarnação feminina da voz do poeta: “eterno enquanto dure”.

        O da vez era Joaquim, piloteiro esperto, jovem e muito experiente apesar da pouca idade. O nó era que Joaquim gostava mesmo era da Ana Maria que morava com os pais na beira do rio.

        Cibele já tentara de tudo e estava até perdendo a fé na magia do seu canto e olha que  Ulisses, o mais famoso dos que resistiu, se amarrou no mastro para não sucumbir. O danado do Joaquim parece que só pensa na Ana Maria.

        Ela era sereia e não santa. Quando andava, ou melhor, nadava no mar da Galileia, ouvira uma conversa de uns homens que lá pescavam de amor ao próximo e de perdoar. Mas não se deixou entusiasmar, seu mundo era grego e seu desejo era viver e encontrar o belo, no caso Joaquim.

        Muito vivera e muito viveria. Já vira coisas de espantar o mundo no reino de Netuno. Ali nem Júpiter dava as caras, o mar era delas, sereias, dos tritões e de Netuno quando ele aparecia.

        Por isso começou a ficar muito, mas muito irritada. Quem era essa tal de Ana Maria que se julgava melhor que as outras (no caso ela mesmo)? E Joaquim então como se atrevia a se fazer de surdo quando ela cantava?

        Ainda por cima tinha de aguentar gozação dos botos:

- Cibele não é mais aquela...

        Teve vontade de apertar e esganar meia dúzia deles.

        Ia ser difícil acertar a rival. Ana Maria mal chegava à beira do rio para lavar roupa e como era bonita e como a raiva crescia...

        Então tem o Joaquim, se não for meu não será de mais ninguém matutou Cibele com ares de cigana andaluz. Foi então, quando o motor do barco pifou e Joaquim ficou a deriva que ela deu um tranco no bote e lá se foi o Joaquim para o caudal do rio.

        Ele já estava para lá de Deus me acuda, murmurando apenas Ana Maria que pena, Ana Maria que pena, quando Cibele resolveu tocá-lo para a margem.

        Empurrou-o para a areia, tapou os ouvidos para não ouvi-lo murmurar Ana Maria... Ana Maria. E saiu voando, ou melhor, nadando como um pássaro para a praia do Atalaia.

        Estou ficando velha e sentimental, pensou a formosa sereia, eternamente jovem e bonita enquanto jogava água para todo lado com inveja de Ana Maria que sem poder nenhum fora capaz de despertar paixão tão forte no bonito pescador.

        Arre! Chega, acho que preciso enforcar uns botos para passar a raiva. Eta, ataque de frouxidão besta, sem medida!


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