O feitiço de Pileco
Silvia Helena De Ávila
Pileco joga futebol toda
quarta. Às vezes, sexta também. Se deixar, Pileco joga bola todo dia. Quando tem jogo na televisão, ele
assiste, em seguida veste o uniforme do
time e vai para o parque jogar, com amigos da vizinhança, às vezes sozinho
mesmo. Ele adora futebol.
No bairro onde Pileco mora tem um parque com
um gramado enorme. Tem banheiros, uma casinha para festas e três campinhos de
futebol. O zelador é seo Durval que deixa a meninada fazer festa de aniversário
lá. Ele é muito legal, é o juiz dos jogos também. Só que seo Durval é
super preocupado com as formigas, tem
medo que elas piquem os meninos. Já tentou acabar com elas, é difícil.
A casa de Pileco fica em
frente à entrada principal do parque, além de jogar bola, ele toma conta do
campinho como se fosse dele, até dos formigueiros ele cuida.
— Seo Durval, as formigas se escondem na hora do
jogo , tenho certeza, eu peço pra elas. Diz Pileco toda vez que o zelador tenta um método novo de extermínio. E não é que a turma acha Pileco meio
feiticeiro mesmo? Nunca ninguém foi picado durante os jogos. No fundo os
meninos se sentem seguros de jogar com ele que sempre faz umas rezas para
afastar as formigas antes da partida.
Certa vez, chegou
um menino novo para jogar. Foguinho, como era chamado, não conhecia ninguém, ((a família dele estava visitando parentes
que moravam no bairro. Passou a manhã
toda emburrado, na casa tinham duas meninas.
— Que coisa mais sem graça, elas são muito chatas!
Resmungava pra mãe, pedindo pra ir embora. Depois do almoço, foi obrigado a ir com as primas até o parque para
um passeio. Estava detestando tudo, sendo muito malcriado mesmo, até que viu um
bando de moleques jogando futebol. Deixou as meninas e correu ao
encontro do grupo. Logo foi aceito, sempre falta ou sobra gente nessas peladas
de bairro.
Foguinho tinha
este apelido porque era ruivo, mas
também, ele era fogo mesmo! Curioso, esperto e como dizem os mais velhos,
um menino atentado. Entrou no jogo e
logo cometendo falta, por isso seo Durval o tirou da partida. Foi por pouco
tempo, mesmo assim ficou inconformado.
Todo mundo estranhou a braveza de Foguinho, pois naquele grupo os jogos eram
sempre amistosos.
— Menino, cuidado onde senta, tem muita formiga por
ai! Avisou seo Durval, homem rude nas palavras, mas cativante nas maneiras, sempre preocupado com
a meninada que já conhecia muito bem o seu jeitão. Tão irritado estava
Foguinho, que saiu chutando o formigueiro até que desfez todo o montinho de
terra. Ninguém percebeu pois o jogo continuava rolando e em seguida Foguinho
foi chamado de volta.
Quando terminou a partida, os meninos se juntaram na
grama. Uns sentaram, outros deitaram, todos esgotados mas muito felizes.
Tiraram as chuteiras, os meiões e ficaram conversando alegremente até que
Foguinho desatou a gritar e espernear apavorado. Todos olharam a situação sem
nada entender, surpreendidos com o choro
do menino. Seo Durval veio correndo
assim que ouviu a gritaria. A perna de
Foguinho estava cheia de formigas e com pontos de vermelhidão. O zelador
arrancou a própria camisa e com ela batia na perna do menino para tirar e as
formigas grudavam na camisa, eram jogadas de volta à perna de Foguinho, ele
gritava mais ainda, o maior sufoco, que
deixou todos os moleques apavorados
com medo de serem picados também.
No meio de toda aquela confusão, correria, choro, só
Pileco parecia em alfa. Ficou paralisado, não demonstrava nenhuma reação.
Estarrecido, levou as mãos à cabeça, e triste ao mesmo tempo, como que falando para si mesmo -- Eu esqueci de avisar as formigas que tinha
um menino novo.
Seo Durval vendo a cara de Pileco, foi conversar com
ele, disse que não era sua culpa, tinha avisado o menino das formigas. Foi ai
que ele contou que vira o moleque chutando o formigueiro.
— Pronto, está explicado! Pensou Pileco já mais calmo.
Agora sabia que elas estavam se defendendo do agressor. Ele e as formigas
continuariam na mesma sintonia de comunicação que sempre tiveram.
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