Sangue
azul
Ises de Almeida Abrahamsohn
Hoje tive o meu momento de glória. O auge da carreira
para aqueles de nossa espécie. Já tive dissabores na vida que não vou relatar.
Sou esguia, azul e tenho uma das extremidades mastigada num acesso de
nervosismo de meu último dono. Coitado... Não o culpo. Estava fazendo a prova
de matemática do vestibular. Mas eu o ajudei para assinalar a resposta correta
quando hesitava. Não somos autorizadas a interferir na vida de nossos donos mas
o rapaz merecia. Ao sair estava tão nervoso que me deixou cair do estojo onde
eu vivia em companhia com meus primos distantes, os lápis.
Fiquei ali, caído ao pé do banco da parada de ônibus
durante horas a fio esperançado de que alguém me resgatasse. Quando aquela
senhora já idosa e de óculos me olhou, minhas veias se aqueceram e se encheram
de meu sangue azul. Ela perceberia que ainda tenho muita serventia.
Delicadamente ela me apanhou, examinou e guardou na bolsa. E assim me vi
colocado na escrivaninha ao lado de novos companheiros. Eu já estava tirando um
cochilo quando ela veio, apertou-me o corpo e murmurou:
̶ Vamos ver se você ainda escreve.
E eu lhe dei toda a minha gratidão e o meu sangue quando ela preencheu o papel com, vejam vocês, esta minha história.
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