DESABAFO DE UM ABANDONADO - Ledice Pereira

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DESABAFO 
Ledice Pereira


Mais um dia fechado aqui, calado.
Ela realmente não me ama mais. Mal me olha.
Antigamente gostava de mim, cuidava de mim, sentia orgulho de mim.
Hoje só tem olhos para os outros: marido, filhos, netos...
Dirão vocês que ando deprimido. E acertaram.
Hoje me sinto usado, desprezado, abandonado, empoeirado.
Sabem o que é acompanhar alguém desde tenra idade, compartilhar de sua evolução, de seu crescimento? A gente se afeiçoa, torce, vibra com cada vitória.
Naquele tempo eu ocupava um lugar de destaque. Era apresentado a todos. Eu me sentia importante, sabe?
De repente, me vejo aqui esquecido, passado para um segundo plano, entregue literalmente às traças.
Nem da minha manutenção ela cuida mais.
Eu gostava tanto quando ela me acariciava, me tocava por horas a fio.
Hoje estou aqui só. Tenho que me contentar com o afago da diarista uma vez a cada quinze dias. Um afago rápido, indiferente, sem sentimento mesmo.

Muito triste. Fiquei reduzido a um velho piano desafinado.

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