A FUGA - José Vicente J. de Camargo

 Resultado de imagem para homem olhando pela janela do trem

 A FUGA
José Vicente J. de Camargo


Foges para onde?

Pergunta com insistência aquela voz vinda da consciência - voz que insiste em perturbar-lhe nesses momentos de dúvida, de fraqueza, com indagações cujas respostas ele não tem.  Dói-lhe cutucar seu íntimo a procura delas. E mesmo que o fizesse não encontraria...

Da janela do trem que o leva à uma estação que ele ainda não definiu qual será, ele mira a paisagem de montanhas, algumas com picos escondidos na neve, tal como ele que não quer se expor, enfrentar a realidade. Escolheu esse trajeto por percorrer aquela região montanhosa que ele ainda não conhece.

O embalo do trem lhe adormece o corpo cansado pela angustia dos últimos dias, quando os dois resolveram se separar. Não dava mais. Seus sentimentos se diferenciavam cada vez mais. Depois de tantos anos juntos, tantas caricias trocadas, juras de amor, como pode acontecer? Quem errou? O pior é que não se deram conta, não perceberam até que o tsunami chegou, de repente, sem avisar, e os atingiu em cheio, os embolou, os jogou um contra o outro, e depois os separou, cada qual agarrado a um apoio que o levasse para longe, sem resistir, com medo que o outro o viesse salvar, pedir um tempo para pensar, uma chance para retomar a razão...

A visão das montanhas lá fora, cobertas de verde e branco, é intercalada com a figura dela correndo na chuva, sem se virar, sem olhar para ele. Também ela, no meio das árvores, no bosque inundado, segurando no braço estendido – incongruência do destino −  seu guarda – chuva aberto, protegendo-a, espetando a tarde molhada e fria. E ele parado, pingando, sem esboçar qualquer reação, vendo-a desaparecer no ar cinzento, sem ter tempo de refletir se o que estava acontecendo era certo ou errado...

Um solavanco lhe sacode a mente, lembrando que está num trem rumo a um destino desconhecido. O embalo cadenciado, junto com a vontade de desaparecer num esconderijo imaginário, o faz lembrar da infância, quando seu pai lhe tocava ao piano sua música favorita – O Trenzinho Caipira, de Vila Lobos -  e aquela fantasia da locomotiva fumegante, no meio dos apitos agudos e o ranger das rodas, o conduzia ao sono profundo e despreocupado das almas puras onde não existem porquês, nem desculpas ou culpados. Nesse mundo tudo é paz e sossego. Não há necessidade de se dar respostas inexistentes, explicações sem sentido, de tomar iniciativas sem se saber como. Os rumos são definidos e orientados pelas figuras protetoras e as fugas, se houver, têm sempre um retorno pródigo:

“Oh Pai! Onde estás que não me escutas?

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