A
BELÉM.
Mario Augusto
Machado Pinto
Blam, blam, blam.
— Bateção desgraçada.
Anda! Vamos! Veste a roupa! - grita ela.
— Creusa, inda não é
hora.
Há tempos que quero fazer esta
viagem. Agora consegui e essa chata quer que eu desista? Tá maluquete da silva.
A paisagem é formidável. É estrela
pra todo lado. Acho que de tanto virar o pescoço para admirá-las ainda vou
ficar com torcicolo, mas não tem jeito: é muita beleza junta. Olha a Via Láctea,
a não sei o quê Centauro, o Cruzeiro do Sul. Olha aquelas grandonas. Meu conhecimento
acaba por aqui, mas meu caminhar tem que continuar. Rima na hora errada.
Não sei bem como chegar lá, mas tudo
tem jeito, né? Então este também tem. Tenho que ir pro Leste. Pegar carona, mas
qual? Os ônibus passam tão rápido que os motoristas nem ligam pro sinal do meu
braço esticado. E aquele que vem lá? Parece mais devagar. Nossa! como é grande,
brilhante, cheio de laços e cordas. Dá pra ir, mas, estranho, não há ninguém
esperando no ponto e ele não para. E eu? Continuo zé Bedeu?
Vamos que vamos. É botar sebo nas
canelas e correr mais rápido. Assim, mas sem me distrair, cara. E como não vou me
distrair? É tanta coisa linda, colorida e, que que é aquilo alí? Ora, são
passageiros que se cansaram de esperar pelos ônibus e dançam, cantam, jogam
estrelinhas uns nos outros. É um verdadeiro musical da Metro encenado aqui em
cima. Só falta o Red Skelton aparecer e dizer: “Jái perdu ma plume dans le
jardim de ma tante!” e a Esther Willians mergulhar.
Tô chegando. Anda, vamos, só mais um
pouquinho. Já dá pra ver que a porta de entrada tá com o sinal vermelho: trancada!
Tá lotado. Será? Azar. Mais rápido! Pô, desse jeito ganho a nova São Silvestre.
Nossa! Como tem gente apinhada lá dentro. Dá pra ver as cabeças dos caras
olhando pra fora. Tão fazendo sinais. É pra me afastar! Vou nada. Mais perto!
Mais perto! Devagar, vou chegando, chegando, tô pertinho. Grudei nele. Bato na
porta, dou socos e pontapés. Quando eu contar, o primo Carnera vai gostar e dar
muita risada.
Chamo eles pelo celular. Atendem:
— Cara, o que quer? Vai embora, tamos
lotado! Não enche o picoá, pô!
Diz isso com aquela voz que parece sair
duma lata de sardinhas.
— Não interessa! Quero entrar! Preciso
ver minha prima que vai ter bebê.
Tô com voz suplicante, mas não
adianta nada. O negócio é aumentar o tom pra demonstrar urgência, ansiedade.
Sabe aquela que dá quando o Vampeta corre pra chutar um pênalti? E a raiva
quando erra? É isso tudo.
— E nós com isso? Pergunta o cara
que agora vejo na janelinha de cima.
— Muito. Vocês não vão pro leste?
Então. Eu também. Quero conhecer meu priminho. E vamos logo com isso! Tô
apertado! Ouviu bem? Tô apertado, digo exagerando
só pra aperrear. Sem resposta.
O cara não está nem aí! Escuto roc, roc,
roc pelos fones : é barulho de mastigação de torradas.
— Você tá comendo? Pergunto com aquela
voz rouca e profunda de guloso pensando em geleia de mirtilo.
— Claro. Hora do lanchinho da tarde,
responde o sacana dando risadinhas.
Isso me dá raiva e água na boca. Não
aguento. Entre dentes digo:
— Vamos logo! Tô começando a ficar
com frio!!!
Dou saraivadas de socos e pontapés
na porta e grito continuamente que quero entrar.
Aí o cara da janelinha de cima diz
que vai falar com o fiscal e faz sinal pra eu ficar na linha. E eu chutando a
porta: plan, plan, plan.
Tem muita estática, mas mesmo assim
ouço o som distante de parte da fala já começada:
— ...Creusa, temos um problema...
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