INGRATIDÃO - Antonia Marchesin Gonçalves



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INGRATIDÃO
Antonia Marchesin Gonçalves



A vida nos ensina conforme as nossas atitudes, se fazemos o bem o receberemos de volta, se o mal, retornará mais cedo ou mais tarde. 

Meus pais já há anos no Brasil, tinham como amigo um senhor italiano, que era chamado de Coronel, pois ele era mesmo aposentado do exército e após a guerra veio para o Brasil, mas se sabia que era pessoa de muitas posses, tanto na Itália, quanto aqui no país. Após alguns anos tivemos a surpresa de ver a chegada do seu filho único, um rapaz forte, simpático, alegre e recém-formado em medicina, foi morar com o pai. E como era o costume do seu pai, almoçavam ou jantavam quase todos os dias em minha casa.  Sua alegria nos contagiava, com   bom humor e adorava os pratos que minha mãe fazia.

Abriu um pequeno consultório no bairro, era clínico geral e cardiologista, aprendeu logo a língua e começou a trabalhar no Hospital das Clínicas, Santa Casa e medida que a sua competência foi se solidificando, foi trabalhar outros grandes hospitais. Logo ficou famoso, atendendo de artistas, políticos, etc. Conheceu a mulher que seria sua esposa, advogada, dois anos mais velha que ele, casaram-se e foram morar no sobrado em Pinheiros onde já era o seu consultório. Casados mantiveram o costume de jantar na minha casa, pois ela não sabia cozinhar. Quando conseguiram comprar o seu primeiro apartamento se mudaram e a esposa engravidou do primeiro filho. Lindo o menino tinha o mesmo nome do pai.

Aí entro eu. Quando o menino tinha dois anos e meus pais precisavam de ajuda financeira, a esposa pediu para que eu ficasse com o filho no período da tarde, porque de manhã eu estudava, e como pequeno salário ajudaria em casa, na época eu tinha doze anos. A convivência e o aprendizado que eu tive foram enormes, pois conheci o amor de uma criança na sua inocência, e ao mesmo tempo a maldade do ser humano como um câncer que destrói tudo a sua volta. Enquanto o médico era alegre, sempre com o sorriso no rosto, distribuindo saúde e cura com desprendimento e amor, sua esposa era a megera na sua integralidade. Maltratava e humilhava as empregadas a ponto de fazê-las chorar quase todos os dias. A comida era diferente para as empregadas, inclusive eu tinha que comer com elas. Tanto que era capaz de chamar o padeiro todas as tardes para que o filho escolhesse o seu lanche da tarde, normalmente pão doce, e não admitia que nem eu comesse o que o menino me oferecia, preferia jogar fora se sobrasse.

 Assim foi um ano inteiro assistindo a tudo calada, mas eu tinha a compensação, que era o amor incondicional do menino por mim, a ponto da mãe falar para todos os amigos, vizinhos e clientes famosos que frequentavam a casa, que eu era a primeira paixão do seu filho. Após um ano eu pedi a minha mãe para me tirar de lá, pois não aguentava mais aquela situação e o estudo estava sendo prejudicado. Foi um verdadeiro terremoto na casa, pois havia nascido o segundo filho e ela não queria aceitar   minha saída principalmente o menino não me largava, agarrando-se em minhas pernas implorava que não o deixasse, chorava muito. Jamais esqueci esse momento e essa imagem, tive que fazer um grande esforço e ir embora sem olhar para trás.

Nunca mais estive com o menino, eu o via passando de carro com os pais em frente da minha casa, ele acenava com as mãos e eu retribuía o aceno. Mudamos de bairro, meu pai havia construído   nossa casa. Depois, casei e mudei de bairro de novo, mas sempre que   minha família precisava de médico, era o nosso amigo que nos atendia no seu consultório no bairro mais nobre. Passaram-se anos o menino já cursava o segundo ano de medicina, quando veio a bomba na minha cabeça, numa viagem de férias da família do amigo, já na época eram três filhos homens, um acidente na estrada com o carro matou o pai e o meu querido menino, ficaram salvos a mãe e os dois irmãos, que são médicos também.

Na missa de sétimo dia essa mulher desolada me abraçava e dizia, o nosso menino foi embora, e repetia me abraçando muito. Soube depois que ela se anulou, no total desolamento e sofrimento, inconformada com o destino.

O velho e sábio ditado que diz “aqui se faz, aqui se paga”, aprendi nessa minha história de vida.

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