DE NOVO NO ARAGUAIA - Oswaldo U. Lopes




DE NOVO NO ARAGUAIA
Oswaldo U. Lopes

        Dez passos para a direita, quinze para a esquerda, se fosse no Caribe iriam achar tesouro, mas no Brasil quem cava com esse rumo esta procurando é ossada. Ainda mais se está perto do Rio Araguaia.

        Era o que pensava Marcelo um dos poucos sobreviventes da guerrilha na selva. Quarenta anos são passados, Bodas de Rubi, pedra dura pensou, só perde para o diamante.

        Na memória tudo estava embaralhado. Sincero consigo mesmo, admitia sem dó, aquilo fora um retumbante fracasso.

        Queriam fazer como o Che na Bolívia e fizeram exatamente igual. Não conseguiram apoio local, os posseiros e mateiros da região os olhavam calados e desconfiados e forneciam as informações para o exercito. Eram conhecidos como o pessoal especialista em caneta em oposição aos que sabiam manejar o facão.

        O Major Curió, capitão na época ganhou de goelada.

        Conseguiu refazer a vida, concluiu o curso de engenharia e trabalhava na Petrobras. Poucos na guerrilha, muito poucos sabiam seu nome verdadeiro e esses poucos tinham morrido ou foram  assassinados. Dr. Juca, o memorável médico, entre eles. Casado, resolvera contar a mulher, logo de cara e ela fez por merecer a confidência, nunca vazou ou comentou o assunto. Viviam bem, dois filhos e uma ótima casa num condomínio da empresa na beira da rodovia Bertioga- São Sebastião.

        Até que veio a Comissão da Verdade, mais eficientes do que os milicos ou com mais recursos depois de tanto tempo, farejaram seu paradeiro.

        Não se esquivou, já tinha reconhecido seu erro. Não de combater a ditadura. Mas de fazê-lo com armas perdido na selva. Até hoje estranhava o nome da pequena cidade Xambioá.

        Convidado não se omitiu nem se enalteceu, contou o que sabia e... Grande surpresa puxou um pequeno mapa e revelou onde enterrara dois companheiros de luta cujos nomes não sabia, apenas os codinomes: Mané e Jupiá.

        Era um mapa pequeno feito em tecido que ele levava costurado por dentro da bota e com o qual ficara quando escapou.

        O pano era bom e o mapa simples. Um traço forte na diagonal que se bifurcava como Y em baixo. O traço representava o Rio Araguaia e o Y o Rio das Mortes e o braço do Javaés que formava a Ilha do Bananal. Uma série de letras ao longo do desenho identificava as referências:

CA – Conceição do Araguaia
SF – São Felix do Araguaia
A – Rio acima – Montante.
M – Rio das Mortes
AFA – Atracadouro da Fazenda Curua
10D – Dez passos a direita
15E -  Quinze a esquerda.

        Agora estavam perto. Topara vir e resgatar os corpos dos dois guerrilheiros mortos naquele dia. Lembrava bem os dois cadáveres, ele e o mateiro na canoa.

        Fora um dia no final de outubro de 1974, a guerrilha já estava perdida quando deram de cara com a patrulha do exercito. Estavam na vizinhança de Conceição do Araguaia.   Tudo foi muito rápido, já escurecia, trocaram tiros. Tinha certeza de que acertaram um dos soldados. A patrulha se retirou provavelmente levando o ferido. Quando olhou de lado viu mortos Mané e Jupiá.

        Não queria deixar os corpos ali. Já vira muitos cadáveres pendurados em helicópteros sem a cabeça. Enterrar mortos com dignidade era uma questão de honra. Com o de acordo do piloteiro Juvenal, embrulhou- os em lona vedou-os bem, colocou sal e cal dentro e se foram rio acima. Agora entendia melhor porque o Dr. Juca sempre tinha esses elementos nos acampamentos mais importantes. No começo só viajavam a noite, e assim foi que só atingiram o Rio das Mortes dois dias depois.

        Era cheia, e o rio estava navegável por inteiro. Curioso o nome do rio fora dado pelos Xavantes por causa da mortandade causada pelos bandeirantes. Era diferente do outro Rio das Mortes de Minas, mas continuava fazendo jus ao nome, ainda morria muita gente afogada nele.

        Seguiram pelo rio acima até encontrarem o embarcadouro da Fazenda Curuá. Achou que estava bom. Apesar de bem embrulhados os corpos já produziam um odor triste. Desceu contou dez passos para a direita e quinze para a esquerda, fez uma cruz numa Embaúba e enterrou os mortos com a ajuda do Juvenal.

        Feito isso subiram ainda mais o rio até Nova Xavantina. Despediu-se do Juvenal recomendando a este que não voltasse à Conceição do Araguaia. Recomendação inútil, o piloteiro que sabia das coisas e tinha participado ativamente da peleja pretendia e foi se meter no Pantanal.

        Marcelo foi de Nova Xavantina a Barra do Garça, e de lá para São Paulo. Estavam muito longe de Xambioá e passou despercebido.

        Agora estava de volta. Acharam o local e a cruz que fizera na árvore. Não precisava cavar, havia mais gente, muita gente. Desenterraram. O padre que estava junto abençoou os ossos, ele persignou-se e ficou calado, muito calado.

        As famílias poderiam agora enterrar os mortos, ele teria que enfrentar um tempo de exposição na mídia, depois voltaria para seu canto, em silêncio, quieto.





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