HOMEM
NÃO CHORA.
Mario Augusto Machado Pinto
— Ai,
Ai, Ai! Está queimando. Ai pai! Dói muito! – choramingava.
— Deixa
disso! Homem não chora! - respondia papai.
Ele telefonou sugerindo irmos tomar
sorvete na padaria da esquina.
O calor tornava o convite quase
irrecusável, mas como eu o conhecia imaginei que estava com algum problema e
queria conversar o assunto. Fui.
Foi direto, afobado. Falou bastante
tempo sobre fatos de sua vida. Estava desopilando o fígado de maneira franca e
aberta, o que para mim era total novidade. Só escutava.
— Você pode imaginar a cena? Eu, nove
anos, canela esfolada sangrando, meu pai aplicando percloreto de ferro para
estancar o sangue e desinfetar o machucado? O líquido era tão corrosivo que
vinha acondicionado em frasco de vidro, tinha como aplicador um bastão, também
de vidro. Caindo na roupa a mancha não saia jamais, era perda total.
Cresci com esse e vários outros princípios
de “filosofia comportamental”: estuda, diga sempre a verdade, ajuda os outros,
estuda, estuda e estuda! Eram certos, mas ouvir já era de raspar a coroinha!
Os colegas diziam que eu era durão,
gemia, mas não chorava. Isso, às vezes, me fazia sofrer violência
desnecessária, me levava ser verdadeiro saco de pancadas nos jogos de futebol e
bola ao cesto; queriam me ver chorar, derramar lagrimas pelo menos. Não dava
esse gostinho para ninguém.
Fui levando a vida, chorando escondido
na Igreja pedindo afeto, mas sem receber, e me escondendo pelos cantos. Ficava olhando os
colegas sendo abraçados e beijados, morria de inveja. Família e parentes não compareciam
para me ver ganhando uma medalha ou um premio qualquer. Modéstia, modéstia! Sofria
muito, engolia os sentimentos e não me queixava. Foi assim a minha vida até
agora.
Ele falou muito mais, não parava, contorcia-se
na cadeira, amassava guardanapos, olhava para os lados, passava as mãos pelos
cabelos. Estava descontrolado. Sem saber a finalidade última das lembranças
procurei ganhar tempo para que se acalmasse e perguntei o que ele pretendia com
esse monologo triste quando devia estar contente, alegre, ia receber o diploma
de Doutor em Medicina, classificado em 1º lugar, ganhou bolsa para Ph.D. em
Boston. Respondeu: É ai que está o problema. Minha irmã me disse que meu pai
vai me dar o anel de Doutor. Mandou fazer especialmente para mim usando a
aliança de ouro de quando se casou e eu não sei se vai aparecer e como me
comportar, agradecer. Nunca abracei meu pai ou beijei sua face. Como é que
faço? É por isso que estou aqui falando com você. Diz alguma coisa, por favor.
Minha cabeça está a mil. Ajuda-me! Fala, homem, fala! O que você acha que eu
devo fazer e como é que eu faço?
O desespero era verdadeiro. Nunca vi meu
amigo assim tão ansioso, sentindo-se tão perdido, tão só, mas ao mesmo tempo
tão comovido, quase chorando. Olhava para mim apreensivo pela minha resposta. Demorei
um pouco para me recompor, lembrei-me “do homem não chora” e disse:
— Bom,
acho que você...
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