Destino ou Fé Brava? - José Vicente J.de Camargo




Carybé - Briga de bar - Serigrafia - 35x50


Destino ou Fé Brava?
José  Vicente J.de Camargo


Tião chegou no boteco na hora habitual de todos os dias repetindo o caminho de sempre, com os mesmos pensamentos, problemas e desejos tal qual um robô andarilho.

Mas logo ao entrar no bar percebeu pelo barulho das vozes e pela agitação dos presentes, em número maior que o costumeiro, que algo estranho acontecera:
Três tiros a queima roupa e o cabra não morreu? Foi o que logo  escutou da conversa do compadre de olhos arregalados levantando o copo de rabo de galo, tal qual estátua de Moisés  com a tábua dos mandamentos.

Pois é - dizia o companheiro de prosa - só vendo para crer! Senão parece mentira das bravas que dá até vergonha de contar.

Mas foi bem aí, na calçada da frente, que o ocorrido aconteceu. O motivo não sei bem lhe precisar, mas com certeza tem mulher no meio. O Zé Pagode, todos sabem, é sujeito mulherengo que não pode ver rabo de saia solto, que tenta puxar. O Alcides, regatado, já vinha sentindo dores de chifre em silêncio. A malvada da pinga incendiou os dois que se atracaram aqui no bar e na capoeira caíram na calçada e o dia virou noite quando puxaram a faca e o trinta e oito.

A gritaria do “deixa disso” foi geral, mas não houve tempo de apartar não. Alcides, que já vinha com a ideia de acertar contas com algum suspeito de lhe botar os chifres, atirou três vezes sem pestanejar.

E aí que entra o “acredite se quiser”...

A primeira bala resvalou na lâmina da faca erguida do oponente e se alojou na parede. A segunda pegou de raspão na orelha e lhe arrancou um pedaço com brinco e tudo, e a terceira, a milagrosa, desviou-se na medalha protetora da Virgem Padroeira que desde o falecimento da mãe, Zé Pagode não tirava do pescoço nem na hora da farra na zona.

Chamada pelo Mané do bar, a policia chegou logo sem ter muito o que fazer, a não ser levar o Zé pra Santa Casa e o Alcides pras grades.

É o destino! - Disse o compadre - Quando não é a hora, não adianta a morte chamar...

Para mim - disse o companheiro - é a prova da fé na Padroeira, que atendendo o clamor da mãe, o filho salvou na medalha abençoada...

Tião, que se aproximara para melhor ouvir o relato, pede licença para um aparte:

Para mim, o cabra da peste tem é um culhão de sorte maior que o amor da mãe dele, mas que não vai adiantar muito não, pois lá na Santa Casa vão lhe capar a ousadia de andar atrás da mulher alheia.

Para mim, o enfermeiro Bigodinho, amigo meu, vai lhe por as mãos no lugar certo e acertar contas passadas...

Pra mim, amigos, acho que cada macaco tem o galho que merece e sapo de fora não chia...

Portanto peço licença, mas para mim a horinha do cair fora já chegou...

Enxuga mais uma purinha, manda o Mané pendurar no fiado e, assim como veio, roboticamente, desaparece no anoitecer...  


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