O VELHO E O NOVO - Suzana da Cunha Lima


O VELHO E O NOVO
Suzana da Cunha Lima

Inácio olhou amorosamente, com lágrimas nos olhos a velha locomotiva, parada no atalho.

Quanto tempo andara nela, desde menino, pés descalços.  Acompanhava o pai, que o deixava puxar o cordão do apito, colocava o quepe em sua cabeça e o fazia sentir-se o rei da ferrovia.

O olhar de Inácio estava impregnado das paisagens que via pela janela, ano após ano, floridas ou secas, chuvosas ou ensolaradas. Não conhecia outras imagens, nunca saíra daquele percurso, nem percorrera outros caminhos. E nem queria. Aquelas sete estações, ida e volta, eram toda sua felicidade.

Só aprendera a ler e escrever para poder ser contratado pela Ferrovia, porém seu estudo mostrara que seria mais útil cuidando da máquina, em vez de dirigi-la.  E ele assim o fizera, ano após ano, meticuloso e atento. Conhecia cada parafuso, cada prego, cada engrenagem. Cada cantinho escondido, onde e quando precisava colocar óleo ou água.

Conhecia mais sua máquina do que sua própria mulher, presa em casa à uma penca de filhos..

Mas, agora tudo se acabara. Uma vida prosaica e que lhe dava tanto contentamento, sempre amarrada à velha locomotiva, se findara. O progresso e a modernidade jogaram sua amada máquina para fora dos trilhos, como inútil, obsoleta e pouco econômica.

Inácio não conseguiu entender nada do funcionamento da nova e gigantesca máquina, reluzente e poderosa. E nem queria saber. Já estava ficando velho, dizia,  para aprender o funcionamento de tanto botão, tanto circuito elétrico, até computador havia na cabine!

Andou pela via férrea com seu quepe na cabeça, uniforme completo, cabeça alta, e foi em direção ao novo trem que avançava garboso.

Embora com freios novos e modernos, a nova locomotiva não conseguiu estacar a tempo.


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