UM BICHO DA TERRA TÃO PEQUENO - Mario Augusto Machado Pinto.




UM BICHO DA TERRA TÃO PEQUENO
Mario Augusto Machado Pinto.


Outro dia ao ver uma foto lembrei-me da importância dos OS LUSÍADAS da nossa juventude. Tão difícil de decorar ou analisar nas aulas da matéria Português, e objeto de gozações e risadas entre nós jovens. Ainda nos lembramos. Mas, os de hoje após,  lembrarão?

As armas e os barões assinalados
Que da ocidental praia lusitana
..............................................

Inusitada disposição dos rochedos no mar - objeto da foto - deu-me visão imaginativa de uma frota de naus, da época dos descobrimentos, navegando ao largo de costa marítima. Vi imagens, com clareza a sua disposição. Aos marujos falei, contei coisas, ouvi suas vozes alegres, tristes por vezes. Admirável mundo aquele! Para lá me transportei sabendo da fugaz permanência. Senti, falei, ri e chorei.  Fiz-me participe da ocasião, do local e da cena imponente que inusitada e aproveitando versos do vate mór na sua epopeia imaginei-me a descrever o fato ali passado.

Já no largo oceano navegavam
As inquietas ondas apartando
............................................

Vi as pedras como naus que navegavam em linha, relâmpagos e estrondos anunciando seu valor e poderio num verdadeiro desfile naval. Capitanea à frente, seguida pelas demais, passando ao largo do enorme rochedo em cuja parede enxerguei as figuras da gente local vestida de branco, algumas de peito nú, cavalos, elefante, corujas, velhos acenando e o chefe que, todo de preto, em seu trono sentado dizia a seu povo:

Na viagem tendo passado tão ásperos perigos,
Tanto furor de ventos inimigos
Que sejam, determina, agasalhados
Nesta costa africana como amigos.

Alimentadas pela imaginação voam as imagens, as palavras incompreendidas formam as falas ouvidas por toda a gente com prazer estampado nas faces. A sorrir se olham e se perguntam tal gente a que aqui veio? 
A gente se alboroça e de alegria
Não sabe mais do que olhar a causa dela.
Que gente será esta, em si diziam,
Que costumes, que lei, que Rei teriam?

O acolhimento aos navegantes é imediato, fraterno, a curiosidade qual voluta paira no ar. Tudo é festa, alegria e prazer apesar de contido.

Comendo alegremente perguntavam
Pela Arabia língua, donde vinham,
Quem eram, de que terra, que buscavam
De que partes do mar corrido tinham.
Os fortes Lusitanos lhes tornavam,
As discretas respostas que convinham:
Os Portugueses somos do Ocidente,
Imos buscando as terras do Oriente.


Permanecem comendo, bebendo e cantando até o fim do dia.

Nisto Febo nas águas encerrou
Co ´o carro de cristal o claro dia,
Dando cargo à irmã, que aluminasse
O largo mundo enquanto repousasse.

Ali ficam em festas e conversas por dias e noites, sempre contentes e alegres. Já se entendem e trocam ideias e informações sobre o que cada um sabe do pretendido caminho. 

Alguma falha paira no ar: para os Lusitanos nem tudo são flores e perfumes.

É preciso ir.

Na partida o chefe Lusitano recebe mensagem:
O recado que trazem é de amigos
Mas debaixo o veneno vem coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos
Segundo foi o engano descoberto.
Ó grandes e gravíssimos perigos!
Ó caminho da vida, nunca certo;
Que aonde a gente põe a sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança.

Corações apertados se ajustam contra as surpresas que anteveem. Assim preparados partem rumo ao desconhecido. Atormentados com o que imaginam poderão enfrentar clamam aos deuses por proteção.

No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco Lusitano
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno.



Nenhum comentário:

Postar um comentário