CIDA
E A SUA MANCHA.
Mario
Augusto Machado Pinto
Aquele homem aparentando uns 35 anos, espigado,
mãos e pés grandes, passos curtos, meio encurvado em decorrência da lida
capinando a terra da fazenda em que mora e trabalha, é o Elias. A mulher,
Rosário, cabeleira desgrenhada emoldurando rosto enrugado, encavado, olhos
negros com grandes olheiras, peito de taboa de passar roupa, pés no chão, desgastada
pela falta de trato, pouca comida e pelo sol da labuta diária espera-o na porta
da casa. Duas crianças, Rosinha e Riberto, ambos já no Grupo Escolar da vila,
brincam de esconde – esconde, no chão de terra batida. O vira – lata Pitéu correndo
de um lado para outro late sem cessar.
Lembrando-se do sonho de ontem à noite,
repetido por igual tantas vezes. A sua vida de dias iguais sem qualquer motivo
para alegria, do aspecto do casebre em que vive, Elias, na sua simplicidade, acha que é o momento de tratar da vida em
outro lugar. Há coisas contra, mas deve fazer.
Chega à casa. Na cozinha lava as mãos e o
rosto, e diz a si mesmo: por que não?
-Vou tomar chuveiro!
Vai completamente vestido. Na cabeça o
chapelão de palha, uma de suas conhecidas esquesitices. Coloca-se debaixo do
jato d´água gelada. Banho tomado fica à brisa do vento para se secar.
Chama a Rosário.
-Que
passa?
-Preciso falar da minha vida com você.
-Nossa
vida, não só a sua...
-Não! É da minha vida que quero falar.
Procura ficar calmo. Fala que há muito tem
sonhado sempre o mesmo sonho: um caminhão cheio de gente indo veloz sai da
estrada e vira. A gente cai, rola pela ribanceira. Amparado pelo tronco de uma arvore
bate forte a cabeça e perde muito sangue. Depois se vê aqui esperando Cida, minha
mulher, que corre pra mim e some quando chega perto. Ontem à noite tive a
certeza que você não é a Cida, minha mulher e...
-Como
é que sabe depois de tanto tempo?
-Não é o tempo que
vale. É que nós dois nos juntamos muito pouco na cama; ontem à noite nos juntamos
e pedi para você tirar a roupa, lembra?
-Sim
e aí?
-Você tem pinta por dentro da perna acima
do joelho?
- Não...
-Taí a diferença. Eu gostava de mexer na
mancha preta da Cida, lá perto das vergonhas dela. Você não tem a mancha, então
não é minha mulher.
-Quer
dizer...
-Que vou procurar a Cida e a mancha dela.
Procura há muito tempo. Não se ouviu dizer
que encontrou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário