A
religião pode se tornar um vício?
Fernando Braga
Era um casal, aparentemente bem formado, com
duas filhas pequenas. Ela, uma moça bonita, prendada, inteligente,
fisioterapeuta, pai com posse. Ele um
rapaz bem apessoado, com uma fábrica de ventiladores, herdada do pai. Moravam
em uma casa, no interior.
Ela havia sido escolada por sua mãe desde
pequena e sempre rezava o seu tercinho, mas ele não havia recebido instruções
religiosas de sua família. Ocasionalmente iam à missa, como a grande maioria
católica deste país. O rapaz, Serginho, era pouco comunicativo, mas sem dúvida
um bom pai, bom marido e admirava seu sogro e sogra, que eram católicos bem praticantes,
principalmente ela. A sogra era igualmente pouco comunicativa, que mais ouvia
do que falava, mas convicta na religião, dizendo sempre que Cristo estava acima
de tudo.
Pertenciam a um grupo
religioso, com umas oitenta pessoas, que com certa frequência se reuniam em
sistema de retiro espiritual, em uma fazenda de propriedade da família, próxima
à cidade grande e discutiam religião. Convidavam padres para fazerem preleções sobre
temas religiosos. Para um leigo, que assistisse a estes encontros, havia certo
fanatismo. Serginho, que no começo era desligado desta matéria, passou aos
poucos a interessar-se, a participar da organização destes encontros, tornou-se
um grande amigo de um dos padres, na realidade o pároco de uma igreja, em um
dos bairros da cidade.
Passou a devotar-se mais e mais à religião, ir à missa
quase diariamente, ler livros religiosos e vida dos santos, a falar sempre de Cristo,
Nossa Senhora, enfim começou a descobrir a religião, começou a santificar-se. Após
pouco tempo, estava tão enfronhado em suas ideias religiosas, que achava que
fora da religião não havia beleza, alegria, vida. Passou a dedicar maior tempo
à religião, a ajudar o padre, seu amigo, em missas, onde cumpria funções bem
maiores que as de um simples coroinha. Sua vida mudou completamente, tornou-se outra
pessoa, mais quieto, mais introspectivo, mais sisudo, menos brincalhão, mesmo
com as filhas. O que acontecia em sua casa ninguém sabia, uma vez que sua
esposa nada comentava, nem com os próprios pais. Neste período, muitos que iam
à igreja, em que aquele padre fazia as pregações, puderam ver a presença de
Serginho, auxiliando a missa. Usava uma roupa escura, com um grande crucifixo
pendurado no pescoço, as mãos cruzadas sobre o peito, faces séria, olhar
impenetrável e dirigido sempre para o alto, tão concentrado que não percebia a
presença de pessoas conhecidas. Parecia estar recebendo o Espírito Santo, tão
concentrado que, aparentemente, ficava. O comentário era de que ele
provavelmente estava querendo virar padre! Estranho, muito estranho!
Pouco tempo após, sua
esposa foi até a casa dos pais e chorando disse que Serginho havia pedido a
separação. Disse que ele a criticava muito, por ela não segui-lo em suas
orações, ajuda aos pobres, atividades na igreja e outras coisas mais. Também, que
ele não mais a procurava! Frente a tal pedido, ela havia o expulsado de casa, pedindo
que não voltasse. Seus pais ficaram possessos, não querendo mais vê-lo, mas ao
mesmo tempo sentindo-se culpados, por tê-lo iniciado, propiciado o ambiente de
religiosidade, que o havia transtornado.
Dias após, Serginho voltou à sua casa, batendo
à porta, portando um buque de rosas vermelhas nas mãos. Sua mulher abrindo a
porta ficou surpresa com sua presença. Ele logo falou:- estas rosas eu trouxe
para Nossa Senhora, que está em nossa sala. Pediu para entrar, perguntou pelas
filhas e afirmou que não iria voltar para casa. Ela disse que os advogados já
estavam preparando os papeis para a separação definitiva e que as crianças
ficariam sob sua posse. Ele poderia, evidentemente, vê-las quando quisesse.
Quando ia se retirar, ela pediu que ele levasse a Nossa Senhora e os outros
santos que lá estavam. Ele disse estar morando em uma casa habitada pelos
padres e que estava feliz, pois agora estava mais próximo de cristo.
Os que tomaram conhecimento
deste caso achavam que, após esta separação, ele iria solicitar uma autorização
papal ou cardinalícia para poder tornar-se um padre. Na realidade, ele decidiu
que havia finalmente descoberto a sua vocação, sua finalidade de vida. Conseguiu
permissão para ir para um seminário e após três anos tornou-se um padre, hoje
vivendo em uma pequena cidade nordestina, onde é o pároco de uma igreja. Tudo o
que se passou pela cabeça deste rapaz, é difícil de ser analisado. Abandonar
tudo, a própria família, em busca de uma vocação religiosa!
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