O simpático coveiro - Fernando Braga



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O simpático coveiro
Fernando Braga

       Há pouco tempo viajando com minha esposa, soubemos do falecimento súbito da tia Nina. Quando chegamos, o enterro já havia ocorrido há dois dias.

       Conversando com minha esposa, começamos a relembrar esta tia tão querida, que nunca casara, que vivendo com irmãos na mesma casa, havia sido aquela pessoa prestimosa, sempre sorrindo, nunca se queixando da vida, assumindo desde moça, o posto de cozinheira da casa. Filha de italianos, aprendera todos os macetes, os segredos da feitura da comida mais saborosa. Sua lasanha era conhecidamente divina.

       Com   frequência, íamos aos domingos em sua casa e saboreávamos o delicioso almoço e os doces, que tão bem sabia fazer.  Agora, havia morrido como um passarinho, quietinha, sem incomodar ninguém, nem mesmo dando trabalho de levarem-na para um hospital, pois não acordara pela manhã. Foi direta para o cemitério. Mereceu ter tido esta, considerada a melhor morte.

       No dia seguinte, por volta das nove horas, fui até o cemitério, para ao lado de seu túmulo rezar um padre nosso, uma ave maria e um credo. Na secretaria do cemitério indicaram-me a posição em que ficava a tumba, uns 300 metros da entrada. Verão, e apesar de ser manhã, o dia já estava quente, o sol intensamente brilhando forte.

       Cheguei ao lado de sua cova, onde havia ainda os sinais da atividade recente, coberta por uma camada de grama colocada em placas, vi uma pequena tabuleta de madeira com seu nome, dia de nascimento e morte. Morrera com 82 aninhos.

       Aproximei-me do túmulo, relembrei alguns momentos felizes que tive a oportunidade de passar a seu lado. Rezei mais algumas ave-marias, e logo me despedi fazendo o sinal da cruz, pegando o caminho de volta.

       Após andar uns 150 metros, eu estava suando e decidi sentar-me um pouco, em um banco sob a   sombra de uma árvore, bem ao lado de dois coveiros que se revezavam com enxadões, abrindo nova cova, para um próximo enterro. Fiquei contemplando os coveiros, debaixo daquele sol causticante a cavar. Aquele que estava fora do buraco apoiava-se sobre o cabo da enxada, esperando por sua vez. Ambos usavam chapéus e camisas, que estavam sujas e ensopadas. Olhando em minha direção ele disse:

       —Tá cansado meu irmão? O sol tá brabo né?

       —Eu tô é com dó de vocês, neste serviço pesado, neste solão, repliquei.

       -Quantas covas vocês abrem por dia?

       —Hoje quatro! Por enquanto! Mais nois tem que abri e fechá também, após coloca o cachão com o morto no fundo. Aí nois coloca a grama. O serviço é bem feito seu dotô. Isso é todo dia, sábado e domingo, sem descanso.

       —Não há um revezamento?

      —Tem sim, mais ao todo nois é, só quatro! Tem dia que dá mais de 10 enterro, o que pra nois é bom, ajuda a ganha uma gaitinha a mais!

       —Neste emprego, quanto vocês ganham por mês?

       —Nois ganha o salário! O que ajuda é o dinheiro que nois recebe de groja, uns mil cada um, por mês. Apesar de tudo, graças a Deus temo emprego. Tá difici por aí.

    —O senhor tem família? perguntei

      —Tenho sim, a muié e um fio de 11 anos. Imagine que outro dia, me disse que quando crescesse queria se coveiro como eu. Resmunguei: Deixa de falá besteira muleque, você tem é que estuda! Aí ele disse: - Então quero ser soldado da polícia! Respondi:

       —Muito menos isto! Nervosinho me respondeu:

       —Então o que o senho  qué que eu seja, um bosta?

       —Não fio, um dotô! Vai estudá até o fim. Eu trabaio e você estuda. Tá?

       Perguntei ainda a eles, se não tinham medo de aparecer alguma alma do outro mundo.

        —Oh amigo! Tenho sim. Tempos atrais, vim com meu fio à noite no cemitério, que fecha às 10 horas, vê se encontrava o meu relógio, que perdi. Fui até a tumba que tinha cavado. Não encontrei o relógio, mas ouvi subitamente um baruio estranho e quando oihei, vi a uns 50 metro, uma coisa que parecia um lençol branco, voando, dançando encima de um dos túmulo. Meu fio também viu, saiu correndo antes de mim. Corri atrais!  Devia ser uma alma penada. Credo cruz!

      —Dei muita risada. No final perguntei aos dois, se eles que haviam aberto o túmulo de dona Nina, do outro lado.

       —Claro que fomo nois.  Vo te fala! Nenhuma gaita, nenhuma moeda recebemos dos parentes. Oi gente miseravi.

       Não disse que era parente, mas ao levantar para despedir e seguir o caminho de volta, tirei uma nota de cem e entreguei a eles dizendo:

—Boa sorte  meus amigos, bom trabalho.
Sorrindo agradeceram e disseram:

—Se precisá de nois, tamo aqui.  Senti um arrepio pelo corpo e pensei:
—Será que vou precisar deles, logo?


Um comentário:

  1. Gostei de sua crônica, Dr. Fernando. Como sempre, muito bem escrita. Abraços da Ledice

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