ZÉ GATO - Jeremias Moreira

Foto: Marcos Santos / USP 


ZÉ GATO
Jeremias Moreira

Entre os amigos de infância do Cacau, havia o Gilberto, apelidado de Gatinho, por ser filho do Zé Gato, e o Rafael, de Sapinho, porque tinha o rosto bexiguento, cheio de cravos e espinhas.

O Sapinho vendia frutas e legumes na rua para o seu Anacleto, dono da quitanda. Muitas vezes o Cacau e o Gatinho iam juntos para que acabasse logo e sobrasse tempo para a pelada com bola de meia.

O Gatinho e o Cacau moravam na mesma rua. O Cacau adorava ir à casa, dele porque tinha um grande quintal e muita fruta.

Fazia tudo escondido dos seus pais, que desconheciam esse seu lado verdureiro e o proibiam peremptoriamente de frequentar a casa do Zé Gato. É que a família do Gatinho era mal falada. Diziam que sua mãe, dona Alzira, recebia homens na ausência do marido,  e que sua irmã, a Valéria, era puta na cidade de Bauru. A Valéria tinha uma filha, a Geralda, que passava as férias na casa dos avós. Era quando o Cacau mais gostava de ir lá. A menina tinha a mesma idade dele, mas era bem danadinha. Sabia coisas que acontecem entre homem e mulher que ele nem sonhava. Eles iam para o fundo do quintal e a Geralda, como boa professora, lhe ensinava tudo. 

Não sei por que conto isso, pois o que pretendo é falar do Zé Gato.

É difícil definir a cor do Zé Gato. Talvez fosse bronze. Ele era um negro meio avermelhado e resultava nessa cor indefinida. Trabalhava como fiscal da prefeitura. Supervisionava os garis e os funcionários braçais. Tinha um ar misterioso e diziam as más línguas, que executava trabalhos nada ortodoxos para o prefeito, como espancar desafetos. O Zé Gato era assustador, mas tinha uma extraordinária capacidade para contar histórias. Elas tinham sabor de “quero mais”.

Ele cobrava para contá-las! Cada história custava dois cigarros!

Isso obrigava a garotada a invadir as cozinhas de suas mães para roubar ovos e trocar por cigarros, na sorveteria do Arnoni. Para cada ovo, o Arnoni dava três cigarros Beverly, que era a marca que o Zé Gato fumava.
O Cacau tinha medo do Zé Gato, no entanto frequentava sua casa, embora ele quase nunca estivesse, e sentava relaxado no meio da criançada para ouvir suas histórias.

A que ele mais gostava era a do Sapo que se esconde na viola do Urubu para ir a uma Festa no Céu. O Sapo bebeu demais e, na volta, começa a soluçar dentro da viola. O Urubu percebe e, indignado por ter sido enganado, ameaça jogá-lo, lá do alto. O Sapo implora para não ser jogado na água. Malvado, o Urubu faz exatamente isso e o joga na lagoa.  Sorridente, o Sapo emerge e acena zombeteiro para o Urubu.

Essa história era repetida todas as noites e cada vez o Zé Gato contava de uma forma diferente e sempre conseguia maravilhar a molecada.

Eles se reuniam na esquina da mercearia do seu Manoel Lopes.  O Zé Gato sentava no degrau da porta e a criançada se espalhava em volta.

Eles davam os cigarros e ele começava contar.

Certa noite ele criou uma história nova. Um pirata horroroso, com olho de vidro, sai à procura de um tesouro. Navega até a Ilha Misteriosa, que está toda poluída e lê, num bilhete, que o tesouro fora transferido para o Planeta Vermelho. O pirata constrói um foguete, com restos de sucata, e decola em direção a esse planeta. Lá ele engana o guarda do tesouro e foge. Acontece, que na arca do tesouro havia uma bomba escondida. A bomba explodiu e destruiu o foguete. O Pirata ficou no espaço, condenado a limpar todas as estrelas, diariamente.

Nessa noite, Zé Gato sonhou! Ele era um pirata que invadia a prefeitura e arrombava o cofre forte, onde estava todo dinheiro da cidade. Ao fugir, surgia uma viatura da polícia que o perseguia. O carro que usava, por mais que acelerasse, não saia do lugar. Então, ele foi preso e perdeu o emprego.

Acordou ofegante, suado. Sentiu alívio quando se deu conta de que fora apenas um sonho.
O que ele não sabia é que o desfecho do sonho estava prestes a se tornar realidade. A dona Eulália, uma velha ranzinza, que morava do outro lado da rua e o avistava, toda noite, rodeado de crianças, pensou o pior. Foi à delegacia, denunciá-lo como corruptor de menores.

Na noite seguinte a polícia foi conferir e se deparou com a cena que a dona Eulália havia descrito.

Então, prendeu o Zé Gato.

Para surpresa da polícia, a patota, em peso, se rebelou para impedir sua prisão. Foi o maior bafafá. Alguns pais foram chamados e depois de muita conversa, tudo ficou esclarecido.

Nas noites quentes de verão o Zé Gato era apenas um contador de histórias!

O melhor que conheci!

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