O
livro do nada reencontrado
Ises A. Abrahamsohn
A professora anunciou para a classe de linguística a
tarefa. Escrever sobre o nada e seu significado nos diversos idiomas. Os poucos alunos resmungaram: ̶
Loucura, afinal o nada é nada, o que a professora quer de nós? Com uma
risadinha a jovem professora informou: ̶
Pois saibam que alguém já escreveu um
livro cujo título é: Sobre nada.
É difícil de encontrar, talvez em um sebo, mas eu
tenho um precioso exemplar autografado pelo autor. Só mostrarei para vocês
depois que vocês mesmos escreverem sobre nada. É um exercício de criatividade,
comentou a mestra.
Apenas Thaís foi atrás do tal livro. Tentou os sebos
virtuais e nada. Vasculhou as livrarias empoeiradas do centro da cidade e nada. Até que em uma
estreita e escura e bagunçada livraria, o dono se lembrou que de fato o livro
existia por lá, em alguma estante
mofada. O livreiro beirava os noventa anos, encarquilhado, de olhos miúdos. A
aparência do velho senhor vagamente
lembrava uma toupeira de óculos. Thaís ficou encantada quando o senhor toupeira
lhe recomendou o livro. ̶ Vai
gostar, moça. Assim como eu. Sobretudo se tiver a alma romântica. Vamos tentar encontrá-lo.
E acharam o pequeno volume, despretensioso, de capa
desbotada e páginas desbeiçadas, espremido entre livros de poesia de maior
sucesso. Coitado, devia estar ali, triste e esquecido por vinte anos.
Estranhamente, ao se encontrar entre as mãos de Thaís o livro do nada se
empertigou. A capa como que retomou a cor amarela original e as páginas se
perfilaram na esperança da nova leitora.
O velho livreiro pediu a Thaís que lesse algo do livro
para ele.
— As letras são
miúdas, mas o livro do nada eu li e me é muito querido. O escritor, Manoel de
Barros, era meu grande amigo. Não lhe
cobrarei nada pelo livro.
A moça leu a estrofe cinco:
Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora leio avencas.
Tem hora leio Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin.
O dia vai morrer aberto em mim.
— Que lindo,
disse Thaís. Cada verso faz a imaginação voar. Obrigada.
O livro do nada
se aprumou todo ao ser embalado na capa de celofane transparente. A
moça, cansada das andanças procurou um banco de jardim para descansar um
pouco. Ao seu lado colocou a mochila e o
livro. Não percebeu quando o ladrãozinho se aproximou e agarrou a mochila. Saiu
correndo pela praça atrás do gatuno que sumiu por uma rua lateral. Pessoas
cercaram Thaís que só pensava em sair depressa dali e se refugiar em casa.
Perdera o computador e suas anotações de aula.
Nenhum comentário:
Postar um comentário