O Crime da Sacristia
Ises
de Almeida Abrahamsohn
A
delegada Valquíria saía do banho quando o telefone tocou. Era o sargento Ruiz
contado uma história confusa sobre um corpo achado na sacristia da Igreja das
Mercês. Que ela fosse imediatamente ao local, parecia um caso complicado. A
delegada ainda tentou convencê-lo de que no momento sua presença não iria
contribuir nada mais além da própria perícia que logo chegaria. Porém mudou de
ideia ao ouvir que o morto era o padre . Iria com o próprio carro, apenas lhe
desse tempo de tomar um rápido café da manhã.
Ao
chegar, encontrou dois policiais que lhe abriram caminho entre o bando de
curiosos aglomerados em frente à porta lateral da igreja que dava acesso para a
sacristia. Felizmente as outras portas ainda estavam trancadas. Ao entrar logo
viu o corpo estirado no chão, bem no meio do recinto. Cumprimentou o sargento
que lhe indicou com a mão a mulher sentada no canto mais afastado. Falaria com
ela depois. No momento queria examinar o corpo antes da perícia chegar. O homem
fora colocado deitado de bruços, vestido, porém sem camisa, com as costas nuas
cobertas por um pano preto. Na cabeça virada de lado o olho visível arregalado
e a boca semiaberta retorcida resultavam num esgar cômico. O rosto inchado e
arroxeado indicava a provável causa mortis, estrangulamento. Valquíria iluminou
a lateral do pescoço com a lanterna do celular. Conseguiu ver o vergão fino
escuro e a pele esfolada deixados pela corda de metal. Comentou com o sargento
que o assassino devia ser homem, alto e forte para conseguir estrangular a vítima
que não era um homem pequeno. No mais não mexeriam em nada aguardando a turma
da perícia.
Foi
até a mulher que estava visivelmente transtornada. Assim que a delegada se
aproximou desandou a falar. Era Eusébia
que fazia a limpeza diariamente na igreja antes da chegada do padre, e
três vezes por semana trabalhava na casa dele como cozinheira e faxineira. Vinha
bem cedo, tinha a chave da sacristia e encontrou o cadáver no chão. Viu
logo que era o padre Jacinto e ligou para a delegacia. Valquíria reparou numa
vela cuja metade derretida escorrera pelo tampo de madeira polida da
escrivaninha. Além da vela, apenas uma agenda, uma caneca de louça com canetas
e lápis, e o telefone. Indagada, a mulher comentou que o padre jamais teria
colocado uma vela dessa maneira; era muito ordeiro e cuidadoso e, na falta de
energia, as lâmpadas de emergência que se viam nas tomadas próximas às portas
acenderiam. A delegada pediu-lhe as chaves da sacristia e da residência e
mandou-a embora. Mais tarde ouviria seu depoimento.
Logo
depois chegou o investigador Alcino. Ouviu o rápido relato e ambos passaram a
esquadrinhar a sacristia. Nenhum sinal de luta, apenas a camisa do padre
embolada a um canto de um armário escuro. A porta de comunicação com a igreja
estava destrancada com a chave na fechadura. No altar nada parecia estar fora
do lugar. Num nicho à esquerda do altar viram a imagem da virgem cuja base e
laterais eram enfeitadas por flores ainda frescas. Uma mesinha de mármore
apoiava algumas dezenas de velas votivas ao lado de um pequeno cofre de moedas
indicando a quantia a depositar. Valquíria ficou olhando a estátua enquanto
Alcino examinava os dois outros pequenos altares laterais.
— E aí doutora? Esperando que a
Virgem Maria lhe diga quem é o
assassino do padre? Brincou o investigador ao retornar.
A
delegada sorriu e disse apenas:
—
Achei! Olhe lá,
Alcino! Está vendo
os dois castiçais
meio escondidos atrás das
flores? No da esquerda há uma
vela grossa branca nova, mas no da direita falta a vela. Aposto que é a vela que está na
escrivaninha. O assassino veio até aqui e retirou a vela do castiçal. Se não
usou luvas, deve ter deixado as digitais. Além disso, como pensei, deve ser um
sujeito bem alto para ter alcançado o castiçal e não vejo nenhum banco ou
cadeira onde possa ter subido.
O
pessoal da perícia chegou logo depois. Vinham de Barra Mansa cuja central
atendia Volta Redonda e outras cidades do Vale do Paraíba. O legista era
conhecido de Valquíria. Tinham se encontrado em outros casos e ouviu com
atenção o relato da delegada.
— Vamos ver o que nos diz o morto, disse o médico enquanto levantava o pano
preto que cobria as costas do padre.
O que
todos viram foi uma queimadura circular de oito centímetros tendo ao centro o
algarismo 7 e uma figura cujo desenho não conseguiam discernir. A marcação
tinha sido feita do lado direito da coluna abaixo da espádua e tinha restos de
sangue onde a pele queimada se soltara.
— Agora
sabemos o porquê da
vela. A marca foi feita com ferro quente. Os sangramentos nas áreas de queimadura sugerem que
foi feita antes ou logo após a vítima morrer, comentou o legista. Olhem as
marcas nos pulsos. O assassino amarrou os pulsos da vítima com arame, talvez o
mesmo tipo usado para o enforcamento e depois removeu. Possivelmente para não
deixar pista. Vamos procurar por digitais, mas duvido. Num crime desse tipo ele
deve ter usado luvas.
Valquíria
se despediu com a cabeça funcionando a mil. Estava agora às voltas com um
desses crimes que via nos seriados da televisão. Durante os seus dois anos de
delegacia em Volta Redonda não tinha aparecido nenhum crime envolto em
mistério. Os crimes aconteciam, mas eram raros na cidade. Um assassinato
passional, e alguns por dívida de drogas ou entre traficantes. No mais a rotina
da delegacia eram furtos e roubos, brigas e mulheres agredidas por
companheiros.
À
tarde Alcino trouxe a agenda e o celular do padre e o relato da perícia que de
fato o assassino usara luvas. Não encontrou nada de especial na agenda além dos
compromissos rotineiros; o celular requeria mais tempo para examinar. Valquíria
deixou a delegacia por conta do sargento e foi com o investigador procurar a
faxineira, Dona Eusébia, e examinar a residência do falecido. Um portãozinho de
metal abria para o pequeno jardim de roseiras, cuidadas pelo próprio padre como
informado pela entristecida senhora que nada acrescentou de importante. Nada
sabia da vida pregressa do morto que era gentil, porém de poucas palavras.
Apenas o essencial sobre a limpeza da casa, da igreja e as compras para as refeições.
A porta principal da casa dava acesso à sala cuja janela abria-se para o jardim
e para a rua. A moradia simples de um dormitório era quase espartana e
imaculadamente limpa. Nada acharam que interessasse no dormitório, no criado mudo ou guarda roupa.
Na cozinha, apenas contas e uns trocados numa gaveta de armário. Na sala, a
pequena mesa usada para refeições e um canto de lazer com lâmpada de leitura e
sofá em frente à estante com livros. Alcino examinou um a um à procura de
alguma anotação: nada achou entre as páginas dos livros de teologia e de ficção
científica e clássicos policiais. Um cesto de palha ao lado do sofá continha
apenas o jornal da cidade e os periódicos da arquidiocese. No vão maior da
estante uma pequena televisão e abaixo um notebook numa pasta surrada de couro.
Austeros porta-retratos numa prateleira mostravam um casal de meia idade,
possivelmente os pais, e duas fotos do padre, bem mais novo. Teria uns trinta
anos, usando agasalho esportivo, ao lado de dois times de meninos em uniformes
de futebol. As fotos tinham sido tiradas na escadaria de acesso à entrada de
uma edificação que parecia ser uma escola. Devia ser o treinador, pensou a
delegada. Havia também outra foto tirada em frente ao mesmo prédio de um
Jacinto bem mais jovem em meio a outros quatro moços, todos usando batinas,
ladeados por dois sacerdotes mais idosos. A delegada conjeturou que foi tirada
por ocasião da ordenação do padre. Pena que não dava para identificar o
seminário ou escola. Levou a foto mais nítida e o computador para um primeiro
exame na delegacia. Deixaria Alcino que era bom de informática examinar o
notebook e o celular. Esse rapaz foi um achado, pensou a delegada. Tinha que
encontrar um meio de conseguir-lhe uma promoção. Ligou para ele à noite depois
do jantar.
— Até agora nada, doutora. No
celular nada de muito estranho. Poucas chamadas, a maioria local mesmo, mas há duas chamadas de Curitiba de
uma semana e de dois dias atrás.
Tentei o número,
mas não atende. Pode ser do
assassino que, tudo indica,era conhecido do padre uma vez que não há sinais de
resistência ou luta no local do crime. Além desse número há umas três chamadas
nos últimos dois meses, mais longas, para a cidade de Itaú de Minas. Já olhei
na internet e lá tem um seminário e colégio, mas não tem a foto para ver se é o
mesmo da fotografia. No notebook nada de anormal à primeira vista, mas existem
algumas pastas que dependem de senha. Amanhã vou tentar entrar.
Valquíria
assistiu ao noticiário da noite sem muita atenção. A marcação nas costas da
vítima não lhe saía da cabeça. Lembrou-se do amigo e antigo professor na
Faculdade de Direito, agora aposentado e trabalhando no Rio como detetive
particular. Com uma ponta de inveja, pensou em como o Matos era bem, bem
particular. Só aceitava casos que lhe interessassem
e que pagassem muito bem. Ela não poderia pagar nada, mas se ele ficasse
curioso poderia ajudar bastante no caso. Surpreendeu-se quando ao ligar o
detetive lhe revelou que estava entediado pela falta de algum caso desafiador.
— Pois,
já tem um, respondeu animada a
delegada e narrou a história. O Matos mordeu a isca e se ofereceu para ir já no
dia seguinte a Volta Redonda.
Apareceu
na delegacia ainda de manhã vestido, apesar do calor, com o apuro de costume, terno, gravata e
sapatos reluzentes. Já tinha deixado a mala no hotel e parecia animadíssimo
para trabalhar. O experiente detetive se deteve nas fotos da perícia que
mostravam a marca nas costas do padre.
— Tenho
uma ideia do que significa. Vamos fazer uma visita à biblioteca. Venha comigo. O
Alcino pode se encarregar dos telefonemas e de acessar os arquivos.
Enquanto
a delegada guiava, o antigo professor comentava as mudanças na cidade e evitava
dar qualquer pista do que lhe ia pela cabeça. Mas ela o conhecia bem. Queria
mantê-la em suspense para depois surpreender. Sempre fora assim nas aulas,
teatral. Na biblioteca, o detetive perguntou pelo nome da bibliotecária-chefe,
sua conhecida, e, desapontado, foi informado que se aposentara. Pediu à jovem
que os atendia um exemplar da Divina Comédia. Trouxeram um, lindo, ilustrado
por Gustavo Doré que ele foi metodicamente folheando.
—
Cá está, veja Valquíria, creio que esta é a simbologia da marcação na vítima. No sétimo círculo do inferno estão os sodomitas e pederastas
que devem vagar por um deserto em chamas. Creio que o sinal meio borrado na
marca do ferro quente seria uma labareda. O assassino nos indicou o motivo do
crime, um castigo. Seria pelo presente ou pelo passado? Penso que nos remete
aos anos que atuou no seminário, porque parece que como padre, aqui na cidade,
nunca houve nada suspeito em seu comportamento.
Ao
voltarem para a delegacia, Alcino tinha também informações. As ligações do
padre Jacinto eram para o padre Martinho, o único dos quatro da foto que ficou
no seminário de Itaú após se encerrarem as atividades de colégio interno.
Jacinto, após a ordenação, era professor de história e português e treinava os
alunos nos times de futebol do colégio. Após o fechamento da escola foi
indicado para uma paróquia no interior do Espírito Santo. Há cinco anos foi
designado para Volta Redonda. Entre os padres do grupo na foto, esse era o
único com quem o Jacinto mantinha algum contato por telefone ou por e-mail. As
conversas eram corriqueiras, apenas sobre livros ou trabalho dando a impressão
de que não eram amigos próximos. Mas o investigador não ficou convencido.
Quanto
ao notebook, Alcino conseguiu verificar apenas que o padre tinha o navegador
TOR instalado, o que por si só indicava que ele acessava a deep web. A internet profunda, onde é
possível transitar no anonimato, como explicou aos demais. Para investigar mais
teriam que conseguir a peritagem do computador. No momento achava não
adiantaria para chegar ao criminoso. Valquíria via o padre de Itaú como a
melhor chance de conseguirem mais informações e talvez identificar o possível
autor do crime. Alguém teria que ir a Minas apertar o padre para mais
informação. A delegacia não tinha como bancar a viagem para Alcino, ela não
podia se ausentar, sobrava o Matos que ficou contentíssimo com a missão além de
se encarregar das despesas. Interrompeu os agradecimentos da ex-aluna dizendo
que ia mesmo para comer os bons queijos e doces da região.
No dia
seguinte, o detetive Matos chegou exausto à cidade do sudoeste de Minas apenas
na hora do jantar, depois de aterrissar em Ribeirão Preto e de lá guiar até
Itaú. Ligou para o seminário combinando o encontro para a manhã.
O
padre Martinho estava visivelmente perturbado. Matos ficou intrigado. Mesmo
surpreendido pela vinda do detetive à procura de informações, não era motivo
para estar tão desnorteado. Estava mesmo apavorado. Algo devia ter acontecido.
Depois de algumas respostas incoerentes o padre fraquejou. Há um mês o amigo
tinha ligado bastante preocupado. Tinha recebido um e-mail de um antigo aluno
do colégio, da turma de futebol, dizendo que estava se mudando para Barra do
Piraí e que queria visitá-lo. Até aí, nada demais. Porém, quando Jacinto disse
quem era o ex-aluno, logo entendeu a preocupação. Mário Lustosa, era o nome do
menino.... Lembrou logo. Tinha doze anos, era jogador de futebol além de ótimo
aluno e cujos pais retiraram subitamente do colégio, no meio do semestre, após
uma discussão aos gritos com o diretor. Este, já falecido, nunca comentou o que
houve e depois de algumas semanas de comentários o caso foi esquecido. Matos
mostrou as fotos com os times de futebol e o padre logo o apontou. Sobressaía
no grupo por ser o mais alto; era magro, com cabelos escuros encaracolados,
rosto simpático e tinha um sorriso olhando direto para a câmara.
OK,
pensou o Matos, parece bastante claro. O menino deve ter denunciado Jacinto aos
pais que o tiraram de imediato da escola. O diretor não expulsou o pedófilo,
talvez o tenha apenas advertido. Dois anos depois, com o fechamento do
internato o criminoso não seria mais responsabilidade dele.
O que
não fazia sentido era o pavor do seu atual interlocutor. Havia algo mais ali.
Iria deixar o Martinho cozinhar um pouco mais no próprio medo. No momento não
conseguiria tirar mais nada. Viria de novo à tarde quando o padre já o
imaginava longe de Itaú.
Ligou
para Valquíria.
—
Temos
um nome para o possível
criminoso, foi antigo aluno e vítima
do padre. Deve ter uns vinte e poucos anos agora. Com o nome, o Alcino talvez
consiga rastrear o sujeito. Mas o padreco está apavorado. Agora vou almoçar bem
e tirar uma sesta.
Nem
bem tinha deitado quando o telefone tocou. Era o padre. Com a voz embargada se
disse aliviado de ainda ter alcançado o detetive. Precisava lhe falar com
urgência. Agora vamos saber o que se passa, pensou o detetive.
Foi
com o carro até uma praça encontrar com Martinho. O padre entrou no carro e
pediu para seguirem em frente.
—
A
cidade é pequena. Vamos para longe
onde não dá na vista. Já inventei uma desculpa hoje
sobre a sua visita.
Enveredaram
por uma estradinha de terra. Matos parou o carro na sombra depois de uma curva.
O padre tomou fôlego e despejou:
— Estou
apavorado. O Mário me ligou. Ontem à noite. Falou que agora seria a minha vez e
que se eu tentasse fugir me pegaria. Disse que já estava na cidade. Tentei
conversar, que tinha sido só uma vez, pedi perdão, eu não era como o Jacinto
que o pegava toda noite. Ele só disse que já tinha o ferro pronto. Não entendi.
Que ferro é esse?
Matos
disse que não sabia. Achou melhor só contar caso fosse necessário pressionar o
padre a cooperar. Prometeu que a polícia e ele mesmo iriam protegê-lo se
estivesse disposto a servir de isca para prenderem o criminoso. Relutante, o
padre concordou. Parecia até aliviado. O detetive deixou-o perto do seminário
com a recomendação de não sair de lá a menos que recebesse aviso seu.
De
volta ao hotel ligou para Valquíria. Cabia a ela agora entrar em contato com a
polícia de Minas Gerais. A cidade era pequena, teriam de conseguir o pessoal
para a ação em outra cidade; precisava pelo menos de três pessoas para montar a
tocaia. Com sorte, no dia seguinte à tarde teria acertado tudo. O Alcino nesse
meio tempo tinha localizado o criminoso por ser proprietário de um carro em
Ponta Grossa, embora o celular fosse de Curitiba. Havia um endereço, mas a
polícia local informou que o único morador tinha viajado há um mês; segundo
informação do vizinho, é um jovem, cerca de 25 anos e tem um pequeno Fiat
bastante velho.
— Só
nos resta esperar, doutora. Vamos torcer para que o cara demore a agir até que
tenhamos o pessoal. Enquanto isso, vou comprar uns queijos e doces locais. O
que você prefere? Ainda bem que trouxe o meu leitor eletrônico. Tenho um monte
de livros para me distrair.
No dia
seguinte, Matos ligou cedo para o padre. Não tinha havido nenhum contato.
Recomendou de novo que não saísse do seminário, o detetive ligaria quando
estivesse com o pessoal a postos. Os policiais à paisana e um investigador
chegaram às sete da noite. Hospedaram-se numa casa indicada pela polícia local.
Por telefone Matos os avisaria assim que houvesse algum contato e ao acertar o
plano de ação com o padre. Naquela noite nada sucedeu. No dia seguinte o padre
ligou por volta das dez da manhã. Estava histérico. O Mário ligara cedo dizendo
que o estava vigiando e que o mataria mesmo dentro do seminário.
Matos
explicou o plano. Martinho deveria se dirigir às duas da tarde para a igreja. O
criminoso provavelmente o atacaria dentro da igreja que estaria vazia. Os
policiais seguiriam de modo a impedir o ataque. Matos ficaria escondido na
igreja. O padre relutou, mas acabou por ceder com a promessa de que o seu
envolvimento no caso seria mantido em sigilo.
Duas
horas em ponto, padre Martinho desceu a escada. Usava a batina, óculos escuros
e na mão trazia um livro de orações. Caminhava rápido sob o sol escaldante pelo
meio da rua deserta desdenhando a sombra na calçada. A cabeça projetada para
frente movia-se de um lado para outro à procura do possível agressor oculto
pelas árvores. Tinha a boca crispada pelo medo. A mão magra apertava o livro
com tal força que no dorso os tendões pareciam saltar da pele. Um ruído vindo
de uma das casas o fez tropeçar e quase parar até que percebeu ser apenas o
latido de um cão. Porém o perigo não estava na rua. Ao chegar à frente da
igreja, hesitou antes de empurrar a pesada porta de madeira. A luz tênue no
interior em contraste com o exterior o desnorteou. Por costume aproximou-se da
pia de água benta para benzer-se. Foi quando um forte empurrão nas costas o derrubou.
—
Martinho, seu pedófilo
miserável, chegou a sua vez. Do
Jacinto já
cuidei.
Depois
tudo se passou muito rápido. O detetive Matos com agilidade surpreendente
saltou do seu esconderijo sobre o agressor derrubando-o. Foi dominado pelos
policiais que tinham seguido o padre. O ferro de marcar foi achado perto do
confessionário. O detetive alertou os policiais para que Mário Lustosa fosse
tratado como possível doente mental. O rapaz chorava e só balbuciava
repetidamente: ̶ Ele mereceu, ele mereceu. Penalizado, Matos o
acalmou e aconselhou-o a arrumar um advogado. O flagrante do ataque foi lavrado
ali mesmo na delegacia de Itaú e o criminoso iria ser transportado até Volta
Redonda para lá aguardar julgamento. O detetive mesmo providenciou um advogado
local para cuidar do rapaz até a transferência.
Matos
retornou a Volta Redonda onde se reencontrou com a delegada Valquíria que não
tinha palavras para agradecer pelo sucesso da investigação. Foram todos
comemorar num bom restaurante cujo nome, por coincidência, era Matos. O
investigador Alcino atualizou o detetive sobre a perícia do notebook. O padre
Jacinto, como suspeitado, era de fato assíduo frequentador dos sites de
pedofilia da deep web. A partir do computador do padre foi possível identificar
uma rede de pedófilos e Alcino ganharia a esperada promoção.
Seis
meses depois Valquíria ligou para Matos para contar o desfecho do julgamento do
assassino do padre Jacinto. Mário estava sob tratamento psiquiátrico e o
excelente e caro advogado que o representou conseguiu a máxima redução da pena
em vista das circunstâncias atenuantes. O detetive simulou a maior surpresa e
comentou apenas: Creio que nesse caso foi feita justiça.
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