O JORNAL NÃO NOTICIOU
Ledice
Pereira
Lucélia vivia aqui e ali.
Não tinha ninguém. Não sabia quem era o pai e a mãe estava presa há mais de um
ano.
Quem ainda olhava um pouco
por ela era a avó que, coitada, não tinha como mantê-la. O salário mínimo que
recebia do INSS mal dava para o feijão e
os remédios, pois o aluguel do barraco comia-lhe a metade.
A menina de catorze anos
não queria ser um peso para a avó. Vendia balas no farol e ficava com algum
trocado depois de entregar quase tudo para o
dono do ponto.
Naquela tarde, ao chegar ao
barraco, encontrou a avó caída. Saiu gritando aos quatro cantos da comunidade
até que Gersivaldo ofereceu-se para levar a velha ao Hospital.
Ao ver seu único porto
seguro ali tão frágil, a garota sentiu-se mais abandonada do que nunca, À
noite, o Hospital não permitiu que lá permanecesse.
Chegando ao barraco,
encontrou tudo revirado. Alguém mexera nos poucos objetos e, talvez, tivesse
subtraído alguma coisa, que ela não identificou. O medo tomou conta. Com
esforço arrastou o pequeno móvel até a porta para impedir que fosse forçada.
Cansada, acabou
adormecendo no colchão no chão.
Os sonhos povoaram sua
noite. Fugia sem rumo e sem saber de quem. Um facho de luz corria da direita
para a esquerda, ofuscando os olhos da menina que procurava esconder-se atrás
de uns caixotes. Estes sumiam de repente, deixando-a, frente a frente, com seus
perseguidores que se transformavam em estranhos animais, com corpo de gente e a
examinavam, arreganhando os dentes.
Acordou assustada, suando
em bicas. Estava confusa.
Pegou a jarra sobre o
fogão e lavou o rosto e as mãos. Procurou algo para comer. No forno restava um
pedaço de pão duro. Saiu roendo.
Lá fora, o pipocar dos
tiros, apesar de familiar, a fizeram voar dali.
Até o Hospital, uma longa
caminhada.
Procurou pela avó. Ninguém
sabia informar.
“Onde
ela teria ido parar?”
Alguém veio encontrá-la e
deu a notícia de supetão:
─ Sua avó, né? Então, ela
já era. Morreu de madrugada. Teve uma parada cardíaca. Pegue as coisas dela ali
na recepção. Se quiser, a gente trata do enterro.
Nenhum abraço, nenhum
carinho, nenhum conforto.
Ninguém, ali, importou-se com aquele pranto.
Ledice, voce retratou bem a realidade de milhões de brasileiros. E como vão ficando insensíveis. Muito bem!!!
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