Papai Noel e meu avô
Ises Almeida Abrahamsohn
Meu avô sempre entrava em crise em dezembro. Detestava
o verão que o fazia ficar vermelho e suado. Era alto, encorpado, louro de pele
muito clara, e tinha o porte de um general prussiano. “Não era civilizado”, era
como descrevia os efeitos da transpiração no corpo e nas roupas. Além do calor,
a outra bronca era com a ubíqua presença de Papais Noéis em propagandas, fotos,
bonecos e, é claro, gente vestida como Papai Noel no país tropical para o qual
ele emigrara há 30 anos. Para ele Papai Noel não combinava com o natal
brasileiro. Na verdade, nem as
comemorações natalinas na maioria do país tinham a ver com a sua ideia de
natal. Ficava de mau humor e grunhia que a falta de imaginação era geral. Que povo
ingênuo para engolir toda aquela parafernália importada de árvore de natal
enfeitada com luzes, papel prateado para simular neve, bolos com frutas
importadas e o mais que se tornou hábito. Por que não comemorar como tinha
visto há tantos anos no interior de Pernambuco? O presépio com as figuras de
cerâmica ou barro, as comidas da região, a missa da meia noite e os cordéis e
cantadores falando do Natal. Brinquedos simples e doces para as crianças e um
objeto útil, de preferência feito à mão, para os adultos, era sua memória da
época em que trabalhou no nordeste. E o avô não se calava. Despejava a sua
bronca a quem quisesse ouvir. Mas a birra maior mesmo era contra papai Noel.
— Ridículo...
dizia ele. Nem mesmo tinha a aura do antigo bispo São Nicolau que distribuía
doces para as crianças bem comportadas. Invenção dos americanos, reclamava,
vituperando contra papai Noel e suas renas voadoras. Todo ano, duas semanas
antes do Natal, meu avô angariava dinheiro e levava brinquedos para serem dados
às crianças de um orfanato. Cada criança recebia o que havia pedido. Mas
naquele ano estava difícil atender aos pedidos. As contribuições minguaram e
ainda faltavam brinquedos para trinta crianças. Carlos, era o nome do meu avô,
abrasileirado de Karl quando ele se naturalizou. Pois bem, naquela tarde,
Carlos caminhava pela calçada matutando como fazer para arrumar mais dinheiro.
O calor o fazia parar a cada vinte metros e enxugar o rosto. Ainda por cima
tinha esquecido o chapéu, problema resolvido com um lenço com nozinhos que lhe
cobria a vasta calva rosada. ̶ É um aeroporto para moscas, costumava
troçar.
Cansado, sentou-se num muro baixo à sombra de uma
árvore. Foi quando inesperadamente surgiu como do nada, na rua vazia e
escaldante um carro vermelho. O motorista abaixou a janela e convidou:
— Não quer uma carona, seu Carlos? Meu avô inspecionou a estranha
aparição. Não conhecia o homem, talvez fosse alguém da firma, mas o sujeito
tinha na cabeça um desses ridículos gorros vermelhos de papai Noel. Inusitado
era também o veículo. Parecia um desses carros esportivos caríssimos, Porsche
ou Lamborghini, porém muito mais comprido. Nunca tinha visto semelhante nem no
Rio ou São Paulo e muito menos ali na pequena Volta Redonda. O homem do gorro
convidou de novo.
— Entre,
entre, aqui está mais fresco, eu o levo até em casa. Desconfiado Carlos ainda
perguntou de onde o conhecia.
— Lá da siderúrgica, não se lembra? Sou o mecânico dos altos fornos!
Por fim, ainda achando tudo aquilo muito estranho, meu
avô entrou no carro do desconhecido. Uma beleza, pensou, tem ar condicionado, e
que poltrona confortável! Suspirou de prazer e fechou os olhos. Quando os abriu
de novo, teve um grande susto. Percebeu que voavam sobre os telhados.
Apavorado, gritou com o motorista para lhe explicar o que acontecia.
— Acalme-se, engenheiro Carlos. Eu
sou papai Noel, aquele mesmo de quem você fala mal e reclama. Na verdade meu
nome é Natalino Noel. Nós estamos indo para a minha oficina no polo norte.
Meu avô deu-se um forte beliscão
para ver se não estava sonhando. Doeu bastante e teve que aceitar que aquilo de
fato estava acontecendo. Gritou que queria voltar imediatamente para terra
firme e que não queria ir nem para polo norte ou sul, coisa nenhuma, e que iria
lhe dar um soco bem dado. Só se aquietou quando o tal Natalino mostrou saber do
problema dos presentes que faltavam para as crianças e que iriam buscá-los. Meu
avô era um homem prático e daí por diante passou a conversar animadamente com o
tal Noel. Começou por perguntar sobre as renas. Onde estavam?
— Não usamos mais para
transporte. As coitadas ficavam muito cansadas tendo que voar por todo o mundo
em apenas um dia. Agora ficam conosco no inverno comendo forragem e no verão
migram com as outras renas. Os tempos são outros. Agora tenho este carro com
espaço para transportar os brinquedos, você deve ter reparado.
— Mas este carro é movido a
quê, gasolina, álcool? Perguntou meu avô.
— Não, imagine. Agora só
usamos energia não poluente de baterias solares. É muito simples. Quando passo
pelo hemisfério sul em dezembro durante o dia as baterias se carregam e aí dá
para voar à noite e ainda sobra para voar nas longas noites do hemisfério norte.
Meu avô pensou que afinal
esse papai Noel era muito legal.
— E os brinquedos? Como
você fabrica? Lá na terra a ideia é que você tem muitos empregados trabalhando
para dar conta dos brinquedos.
— Também modernizamos essa
parte. Agora temos impressoras 3D, mas são muito mais avançadas do que as de
vocês. Depois são os robôs que fazem o acabamento. Conseguimos com isso
aposentar os nossos ajudantes anões que já estavam muito idosos, alguns com
duzentos anos, e eles vivem na vila e fazem outras coisas como escrever livros
para crianças, compõe musicas e ajudam
com os cachorros e renas.
— Fantástico,
comentou meu avô. Mas agora quero chegar logo para pegar os presentes. Você tem
a lista dos que faltavam?
E assim, o avô Carlos e Natalino Noel carregaram o porta-malas do
carrão voador com os brinquedos para as trinta crianças.
Meu avô, cansadíssimo com as aventuras do dia,
adormeceu na viagem de volta. Acordou em frente à sua casa. Quando abriu a
porta da frente viu trinta pacotes de presente no chão da sala. Minha avó
radiante disse:
— Carlos,
veja! Imagine, um senhor chamado Natalino trouxe os presentes que faltavam.
Você estava tão preocupado! Apesar do calor ele tinha na cabeça um gorro
vermelho com pompom branco. Sabe... Aqueles gorros de fantasia de Papai Noel!
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