UM LIVRO, UMA REFLEXÃO
Ledice
Pereira
Nesse meu primeiro dia de férias vou tentar
não pensar em NADA – Fábio falou consigo mesmo, enquanto colocava o tênis de
caminhada, aproveitando o lindo dia que se delineava.
Gostava
da Primavera. Os dias ficavam mais longos e as flores pincelavam as ruas, mas
para acompanhar as crianças, tinha que fazer suas férias coincidirem com as
delas no verão ou no inverno.
Esse
ano a mulher e os filhos já tinham tido suas férias e ele sentia-se sozinho sem
poder contar com a companhia deles.
Pisando
no tapete multicolorido de pétalas espalhadas no caminho, ia enxergando tudo
com seu olhar de publicitário: o ângulo, a cor, o enquadramento, enfim.
Respirou
fundo. Andava cansado. O trabalho tinha sido intenso nos últimos meses, mas
tinha lhe rendido o prêmio de Profissional do Ano.
Agora,
era curtir o merecido descanso.
Depois
de vencer alguns quilômetros, suado e destreinado, decidiu refrescar-se com uma
água de coco.
O
banco vazio, protegido pela sombra da frondosa tipuana, o atraiu. Algo no chão
chamou a atenção:
─
Ôpa, o que será esse pacote caído aí?
Examinou,
verificando tratar-se de um livro embrulhado em celofane, através do qual pôde
visualizar o título, no mínimo, intrigante: LIVRO SOBRE NADA. Um cartãozinho
de/para pendurado não identificava nome algum. A delicadeza do pacote indicava
ter sido feito por mãos femininas.
Pensou
em dividir sua descoberta com o vendedor de coco, mas o homem se distanciara
empurrando seu possante carrinho.
— A
portadora deve estar se perguntando onde, diacho, teria deixado presente tão bem
acondicionado. O que a teria levado a comprar um livro de título sugestivo e
incomum.
Tomado
pela curiosidade, resolveu desembrulhar, com o máximo cuidado. Se houvesse uma
dedicatória talvez pudesse decifrar a origem e destino.
Não
resistiu à leitura do prólogo, passando para o primeiro capítulo, e segundo, e
terceiro, esquecendo-se da vida.
Só
percebeu que o estômago reclamava quando o sol já ia alto e estava molhado de suor.
Faltava
apenas uma página para o fim.
Uma
mão fina e delicada o tirou do transe em que se encontrava.
— Senhor,
por favor, pode me devolver o livro que esqueci aqui?
Envergonhado,
só conseguiu dizer:
—
Oi, desculpe o meu atrevimento. Juro que fiz tudo para encontrar o dono, mas
não resisti e entrei dentro do livro. Parabéns! Se fosse eu, ia adorar ganhar
esse presente.
E
Fábio voltou pra casa, pensando como o nada pode ser tudo. Aquele título que
tanto o intrigara o fez refletir sobre tudo que a vida representa. E que, às
vezes, enaltecemos o nada.
No
trajeto pensava em tudo de bom que lhe acontecera e dispôs-se a não dar
importância a nada que pudesse lhe trazer qualquer dissabor.
Afinal,
não podia se queixar de nada. Tinha tudo que queria.
Humm,
a considerar pela amostra, posso garantir que essas minhas férias prometem! ─
um sorriso agora iluminava-lhe o rosto,
antes tão abatido.
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