NILÃO
Jeremias Moreira
A Rua Rui Barbosa é paralela à Rua dos
Domingues e, devido ao desnível topográfico que há entre elas, é conhecida como
Rua de Cima. A outra, como Rua de Baixo.
Embora fossem simples, a de Baixo era de moradias. Já a de Cima, continha um
pequeno comércio, o Conservatório Musical, a Biblioteca e o Grupo Escolar. Cada
rua tinha sua turma de crianças e elas eram rivais em tudo. O Nilão era um
menino que morava na Rua de Cima, bem enfrente ao Grupo Escolar. Tinha onze
anos, era grande, forte, destemido, não pertencia a nenhuma das turmas e o pior,
era encrenqueiro. Qualquer garoto tremia ante a possibilidade de se deparar com
o Nilão. Para com os meninos da sua rua, às vezes, mostrava complacência, mas, aos
da Rua de Baixo, nunca dava trégua. Bom de bola, Coco saiu da escola mais cedo. Pisou na rua e avistou Nilão na entrada de sua casa. Ele
era da Rua de Baixo e, assim que avistou a fera, tratou de voltar para a
segurança da escola. Mas o outro conseguiu se interpor e o agarrou pelo braço:
—
O que você está fazendo na minha rua?
Coco pensou rápido e tratou de enrolar:
— Ô Nilão, que bom te encontrar! A turma da
minha rua está querendo apostar como você não tem coragem de entrar sozinho no
porão da casa abandonada, onde morreu o velho Geovânio.
Tratava-se de um decadente casarão localizado
numa das travessas das ruas, e que, devido ao declive, possuía um enorme porão.
Com esclerose, Geovânio vivera anos na casa, sob cuidados de enfermeiros. Mas, para a garotada,
era tido como louco. Desde a sua morte a casa fora fechada por seus filhos, se deteriorara
ainda mais e tornara-se uma assombrosa fantasia na cabeça da criançada. Acreditavam
que o fantasma de Geovânio habitava o porão da casa. Ao ouvir o desafio, Nilão
reagiu:
— Quem disse isso?
— O Lula e Vadeco.
— Só topo se a aposta valer alguma coisa. –
respondeu.
— Cinquenta bolinhas de gude, mas tem que entrar
à noite. – desafiou Coco.
— Tá bom, hoje às oito horas a gente se
encontra enfrente ao casarão. Olha lá, hein! Se você não aparecer, acabo com
você quando te encontrar.
— Combinado! – respondeu Coco.
A contra gosto, Nilão soltou o menino.
Coco massageou o braço e tratou de se afastar.
Duvidava que o Nilão tivesse coragem para tanto, mas ponderou que era
bem melhor a eventual perda de cinquenta bolinhas do que levar uma surra. Imediatamente
foi de casa em casa, contar sobre o desafio para os amigos. Logo a notícia se
espalhou e tornou-se interesse das duas turmas. Todos queriam presenciar esse
acontecimento. Apesar das diferenças entre eles, eram unânimes contra o Nilão. Rivalidade,
às vezes é preciso transigir. Combinaram uma forma de sacanear o Nilão. Assim
que ele entrasse, iriam trancar o portão com um cadeado. Pouco antes da hora
combinada já estavam todos lá. A expectativa era grande. Às oito horas, em
ponto, o Nilão dobrou a esquina e entrou na rua. Vinha acompanhado pelo Tomé e assobiava, sem demonstrar
o menor temor.
— Antes eu quero ver as bolinhas.
—chegou exigente.
As bolinhas, ele rejeitou cinco. Foram
prontamente substituídas, e deixadas em garantia aos cuidados do Tomé. Receosas,
as crianças olhavam em silêncio. Nilão ainda desafiou:
— Alguém mais quer apostar?
Ninguém se manifestou. Nilão sorriu e
se encaminhou para a entrada do porão da velha casa. O portão estava emperrado.
Ele meteu o pé e abriu. Coco lembrou-lhe que a exigência era de ficar no porão,
pelo menos durante vinte minutos.
— Se eu quiser eu fico a noite inteira.
Olhou desafiador para todos, virou-se e
entrou. A molecada deu um tempo e, conforme combinado, trancou o portão. Riram
cúmplices, depois silenciaram. Ouviam-se
apenas os sons de passos que se distanciavam. Era o Nilão penetrando porão
adentro. O tempo passava e as crianças, na expectativa, às vezes, riam nervosas.
Acreditavam que ele não teria coragem e que, mais cedo ou mais tarde,
desistiria. Todos queriam ver sua reação diante do portão trancado. Desejavam
que ele se borrasse de medo. De repente, ouviram uns berros. Olharam-se
vitoriosos e vibraram. Logo ele estaria de volta, apavorado. Finalmente, Nilão colocaria
o rabo entre as pernas. Talvez, depois dessa noite, ele abrandaria o mau gênio.
Mas, o tempo foi passando, continuavam a ouvir os gritos e nada do Nilão. Até
que apuraram melhor a audição e atônitos conseguiram perceber os seus brados:
— Vem assombração! Cadê você? Vem aqui
velho Geovânio, vem brigar comigo, vem!
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