DIGA-ME. - Mario Augusto machado Pinto


DIGA-ME.
Mario Augusto machado Pinto

Lembranças da juventude sempre ocorrem sem escolher hora ou local.
É o que acontece agora com Jacquê, apelido do Jacques sentado à direção do carro parado na pequena trilha que leva ao seu sítio “Dos Jotas”. O rádio ligado transmite a música “Que reste-t-il de nos amours” cantada por Charles Trenet. Ouvindo, arrepios sacodem seu corpo e vêm à memória lembranças de quando descobriu o amor, o mundo adulto, novo, prazeroso, mas cheio de perigos e limites.

A sensação da presença de Filô ao seu lado é tão forte que o faz estacionar e como que abraçar seu ombro. Era assim que fazia quando juntos no carro. O gesto exprimia seu bem-querer à pessoa mais querida de sua vida, Filô, amada sobre todos e tudo, felicidade do seu viver.

Ele se lembra:

Sempre extravasante de alegria, falante, Filô, daquela vez estava quieta. As poucas palavras eram ditas em voz baixa de difícil entender. Foi quando Jacquê perguntando O que acontece? Resolveu estacionar e diminuir o volume do som do rádio. 

- Diga, Filô, o que foi? Tem a haver com quê?

- É sobre mim mesma, mas que vai refletir também em você.

- Desse jeito... Então fala. Estou pronto.

- Tá bem, mas não é tão simples assim. Eu mesma estou muito sentida com o fato inesperado que vai mudar nossa vida.

- E...?

- No fim do mês vamos pra Terezina.  Papai foi transferido.  

- Isso é daqui a dez dias e você só me conta agora? Por quê?

- Porquê só soube ontem à noite. Papai gosta e aprova o nosso relacionamento, sabe o que significa pra nós dois, como nos afetará, não teve coragem de me avisar antes. Menos tempo de angústia e dor. Sabe como é.

- Não, não sei não. Foi... E agora, como vai ser? Como ficamos? Ele sugere alguma coisa? Você fica? Eu não posso ir, Filô, não posso! Você sabe!

- Sim, eu sei. Por enquanto não fazemos nada, vamos levando, nos falamos pelo “Skype”, nos escrevemos. Vamos dar tempo ao tempo e aí decidimos.



Nossa despedida foi o suplicio que resultou da agonia com gosto de fel em que vivemos nossos últimos dias juntos. Filô me negou qualquer indicação sobre a partida, nem hora nem dia: não queria que eu fosse ao aeroporto. Só dizia Quando eu for, a luz do terraço estará acesa. Meu espirito vai ficar. E daí Filô? Não vai trazer você de volta, não vai, Filô, não vai.

Durante meses, com maior ou menor frequência, falamos pelo “Skype”, nos mandamos cartas e bilhetes. Não queríamos nossos segredos na internet, mas o ditado é certo: Longe dos olhos, longe do coração. Devagarinho, devagarinho, sem percebermos, foi acontecendo. Aquele amor, diante do fogo que se apagou virou fumaça levada aos poucos. Ainda assim mesmo, pela última vez, imaginei que vi o vento alvoroçar seus cabelos. Pareceu-me sentir seu perfume, sentir seus fios de seda no meu rosto.

Ái Filô que ainda está aqui no meu coração. Que é feito de você amor de minha vida. O quê?

A música termina. Desligo o radio, fico só com as lembranças da nossa juventude, daqueles dias sempre lindos. Lembro jurar Nossa vida sempre será eterna primavera. Sinto o sabor dos nossos beijos. Enlouqueço com a visão do gozar arfante de amor que transformava seu corpo em arco.

Ai, que restou de tudo isso? Na minha carteira uma foto de nós jovens, quão antiga, amarelada. Que mais? 


Diga-me. 

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