A
gueixa
Fernando Braga
Marcos, de 32 anos, trabalhava
na Mitsubishi em São Paulo, e após cinco anos recebeu, por ser um ótimo
funcionário, como prêmio e incentivo, uma estadia em Tóquio, por um período de três
meses. Estava noivo e com casamento já programado, mas com tal convite resolveu
adiar, o que muito contrariou a futura esposa. Decidiu que não poderia perder
esta chance, uma vez que passaria a maior parte do tempo na fábrica, em contato
com os chefões da companhia e teria tempo para conhecer bem o Japão, país do qual
sempre fora grande admirador. Todas as despesas pagas e ainda mantendo seu
ordenado, que já era bom.
Hikita era uma moça de 28
anos, vinda de uma família pobre, que a vendera com apenas 6 anos, para ser educada
para ser uma gueixa. A gueixa é uma profissão como outra qualquer, como ser médico,
advogado, professor. Isto é uma ocorrência bastante comum no Japão, aceita pelo
governo, onde o sexo não faz parte da profissão. Somente as mais dedicadas conseguem
realmente o status de gueixa. Durante anos são treinadas na música, na dança, nas
artes e no entretenimento. Passam anos aprendendo a serem anfitriãs perfeitas e
também confidentes de seus clientes. Elas fazem com que os homens se sintam
atraentes e importantes. Os clientes pagam caro para ter uma gueixa atendendo
aos seus caprichos. Não são prostitutas, e o sexo não está relacionado, quando
em uma festa se apresentam, geralmente em grupos, para animar com a música, dança,
relato de histórias, atenção e mesmo flerte. Vestem-se magnificamente, com
quimonos chiquérrimos e caríssimos, têm os pés pequenos, com seus tamanquinhos
de madeira, cabelos com penteados bem cuidados, dentes perfeitos e sempre
usando um perfume suave, mas delicioso. Cada apresentação de gueixas é bastante
cara. Não saem nas ruas e estão sempre como que confinadas em belas e ricas
mansões e só saem para se apresentarem e cumprirem suas funções. A aceitação de
um relacionamento sexual depende exclusivamente delas.
Com 19 anos fora enviada para
Kyoto, a cidade dos mil templos, o coração do Japão, cidade que foi poupada nos
bombardeios da segunda grande guerra. É mais conhecida por suas gueixas, entre
1000 e 2000 delas em atividade, o lugar mais sagrado para esta profissão. Algumas
extrapolam e aceitam mais facilmente a relação sexual, cobrando bem,
tornando-se o que se conhece como gueixa-girl, o que vem desde o tempo da
ocupação americana, após a guerra.
Marcos
chegara e já estava em Tóquio há um mês quando foi convidado a conhecer Kyoto, com
um funcionário, que teria o papel de cicerone. Em Kyoto ficaram em um magnifico
hotel e saiam para conhecer os principais monumentos, templos, ruelas
ancestrais, pertencentes a outra era, jardins zen, florestas, cascatas. E como
não podia deixar de ser, conhecer a tradicional cerimônia do chá, servido
geralmente por uma gueixa. Tomaram um Rakie-bus e foram até o templo mais
famoso, o Kiyomizu, no alto de uma montanha, donde podia-se observar toda a
cidade. Nada podia ser mais magnífico!
Na hora certa, sentaram-se
todos no chão, sem sapatos, com as pernas cruzadas. A cerimônia foi
inteiramente conduzida por uma gueixa, de nome Hikita, delicada, suave, com
movimentos precisos das duas lindas mãozinhas. Estava ela toda maquiada, olhos
amendoados, cabelos negros, boca pequena e carnuda e uma classe jamais vista. Marcos
não se impressionou muito com a cerimônia do chá, mas maravilhou-se
inteiramente com aquela figura, muito feminina. Seus olhares várias vezes se
encontraram e ele não conseguia mais desviar os seus olhos, dos olhos dela. No
final, ele se aproximou dela e pediu informação sobre sua nova apresentação Ela
disse que no dia seguinte à noite estaria com suas colegas em uma festa e lhe
deu o endereço. Passou a noite em claro, lembrando-se do rosto da maravilhosa
gueixa e não poderia deixar de vê-la novamente. Era em uma boate muito chique,
no subsolo de um prédio central. Dispensou seu cicerone naquela noite. Pagou
sua entrada de 1000 dólares, com direito a consumo gratuito. Ao entrar, deparou
com um enorme salão, ricamente decorado, vermelho, com mesas e sofás
justapostos. Um pianista japonês tocava músicas americanas dos anos dourados. Com
os olhos procurou rapidamente por Hikita e encontrou-a facilmente dentre outras
gueixas. Pediu a ela para acompanha-lo e sentaram-se em um sofá, com uma
pequena mesa à frente. Ela sentou-se em seu lado direto e entabularam uma
conversa em inglês mal falado, mas o suficiente para se estenderem. Pediu um
Chivas que foi servido em um copo de cristal, com duas pedras de gelo. Cada vez
que tomava dois goles, ela delicadamente pegava o copo, limpava com um
guardanapo especial, colocava um pouco mais de uísque e oferecia novamente a
ele. Logo vieram pequenos croquetes, quitutes salgados e também pedaços de
frutas como kiwie, morangos, pera, que eram delicadamente colocados em sua
boca. Ela só aceitava comer algo quando ele fazia o mesmo, colocando algo em
sua boquinha. O perfume que usava, era o Poison, bem envolvente. Ele se interessou
cada vez mais com Hikita e ela logo mostrou que havia se simpatizado muito com
ele. Convidou-a para sair naquela noite ou qualquer outra. Ela disse ser
impossível uma vez que vivia em uma casa sob o teto e cuidados de um danna, ou seja, um benfeitor, que muito
bem cuidava dela e de outras. Sua
relação com o danna já vinha de seis anos, e havia um compromisso entre eles. Nesta
altura, Marcos apertava a mão de Hikita e ela acariciava sua outra mão. Havia
em pouco tempo, um relacionamento excitante. Pedia para encontrá-la
reiteradamente, mas ela se esquivava. No final da noite ela acedeu ao pedido, mostrando
que também havia sentido muita coisa por ele. Três dias após se encontraram
pela manhã, ela agora vestida sem o seu traje típico, mas usando uma calça jeans
e uma blusa com manga, com pouca maquiagem. Passaram a manhã juntos, visitaram
parques, trocaram alguns beijos afetuosos e despediram-se sem qualquer
relacionamento mais íntimo. Insistiu para que ela passasse seu endereço, um
telefone, um e-mail para que não a perdesse de vista. Ela apenas deu um número
de caixa postal de um correio próximo, que pertencia a uma amiga. Ela seria o
contato de ambos, caso ele lhe escrevesse. Disse que voltaria no dia seguinte
para Tóquio, mas que antes de voltar ao Brasil, faria o possível para revê-la
em Kyoto. Despediram-se. Após este contato ele não conseguiu mais pensar em
nada, apenas em Hikita. Escrevia diariamente e recebia suas respostas. Faltando
uma semana para voltar ao Brasil, tomou o Shinkansen e após duas horas estava
na estação de Kyoto. À noite foi a uma festa, onde ela e outras gueixas estavam
presentes. Pagou novamente uma entrada bastante cara e ficou na mesa, sentados
por três horas. Naquele lugar não podiam trocar afetos, mas era impossível não
segurar sua mãozinha. Marcos sentia seu coração balançar.
Voltaram a se encontrar novamente,
quando ela furtivamente foi até seu hotel e lá pela primeira vez puderam se
amar. Ele a convidou para vir ao Brasil e viverem juntos, e até se casarem. Ela
aceitava e depois voltava atrás, dizendo ter muito compromisso com o seu danna.
Beijaram-se prolongadamente, afetuosamente, e se despediram. Voltariam a trocar
correspondências. Ele voltou angustiado ao Brasil, sentindo que aquele era o
seu verdadeiro amor, aquela mulher tão feminina, linda, maravilhosa e que
dentre todas as gueixas que vira, nenhuma podia ser equiparada a Hikita.
Teve uma recepção muito
calorosa ao chegar ao país, especialmente de sua noiva, que logo voltou ao
assunto do casamento, que havia sido adiado. Mas, ele não conseguia esquecer a
sua gueixa. Novas correspondências foram trocadas, cada vez mais acaloradas de
ambas as partes. Após três meses, Hikita aceitou vir viver no Brasil, com ele. Ela
também estava apaixonada e disposta a enfrentar qualquer dificuldade para
viverem juntos. E...Estava grávida. Marcaram uma data para se encontrarem em Kyoto
e fugirem. Enviou para ela uma passagem aérea, para ser retirada na agência da
Japan Airlines.
Ela sempre dizia que ninguém poderia saber desta sua decisão e
ambos passaram a guardar ansiosamente a data marcada.
O danna que muito bem
conhecia Hikita, começou a estranhar suas atitudes. Ela tornou-se nervosa, inquieta,
não dormia bem e quando ele a procurava para sexo, ela rejeitava, dizendo não
estar se sentindo bem, com muita dor de cabeça e enjoos. Frequentemente, quando
ela estava ausente, entrava em seu quarto, procurando por algo diferente, até
que um dia encontrou escondido, sobre o guarda roupa uma passagem aérea para o Brasil.
Aquilo foi insuportável para ele, que amava profundamente aquela criatura, a
mais linda das gueixas sob seu controle. Teve a certeza de que ela iria
abandona-lo, o que seria insuportável, e antiético no Japão.
Marcos chegou a Kyoto, foi
para seu hotel e ficou aguardando a chegada de Hikita, como combinado. Ficou
aquele dia inteiro aguardando, e nada. Enviou uma carta para sua caixa postal, comunicando
sua chegada conforme combinado, o hotel em que estava, o número de seu quarto e
mesmo seu telefone. Foi quando recebeu um telefonema da amiga de Hikita, comunicando,
com muito pesar, que ela havia sido covardemente assassinada por bandidos, e
que procurasse não querer detalhes, pois sua vida também corria grande risco. No Japão é assim!- disse ela.
Voltou no primeiro Shinkansen para Tóquio e no
mesmo dia para o Brasil. Mas, sem sua querida Hikita. Nunca mais esqueceria a rainha
das gueixas, aquela verdadeira deusa! Nunca mais pretendia pôr os pés, na terra
do sol nascente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário