O
vizinho estranho
Fernando Braga
Hoje, quase aos oitenta, não
posso me esquecer de um vizinho de minha avó Iaiá em uma rua de Pinheiros, próxima
à igreja do Calvário. Era início da década de 50, eu terminara o curso ginasial
em colégio interno e iria iniciar o científico em outro nosocômio. Tinha
completado 15 anos e me sentia agora livre como um pássaro, longe das rédeas
apertadas de um colégio marista. Minha família morava no interior e agora eu
iria morar com minha avó, onde ainda habitavam uma tia, seu marido e dois
filhos, o mais velho, com quase minha idade.
Eram quatro casas
geminadas e do seu lado direito, morava o seu Oto, um alemão que arrastava mal
o português, era baixo e gordo, de uns 50 anos na época, que para mim já era um
velho. Sua mulher também era gorda e conseguia se comunicar melhor em nossa língua.
O alemão era conhecido na rua e todos o achavam muito estranho. Quando
raramente saia de casa a passear com seu cachorro, a ninguém cumprimentava e
sempre mantinha seu olhar dirigido para o chão, para a frente ou para o alto, nunca
para os lados.
Sua casa era de um silencio absoluto e raramente, podia-se ouvir
sua mulher cantando e chamando Oto, Oto.... Ele parecia estar sempre mal
humorado, com raiva, como se detestasse a todos e mesmo, o mundo. Às vezes, eu
e meu primo brincávamos ou lutávamos, gritando ou falando alto e do outro lado
ouvíamos:
— Parra, parra! seus moleques! Parávamos na hora. Uma vez o vi pela janela do
banheiro, no quintal, espancando seu cachorro que havia saído à rua.
Sempre me
pareceu muito agressivo e sua figura nos metia medo. Certa tarde, minha tia
disse que ela havia sido convidada pela mulher de seu Oto para ir à noite ver
televisão, que haviam comprado. Naquela época, poucos tinham televisão. Eu e
meu primo dissemos que gostaríamos de ir juntos para ver televisão. Minha tia
nos levou e fomos bem tratados pela esposa de Oto. Nos serviu um pedaço de bolo
e vimos a TV Tupi. Seu Oto não apareceu, o que nos deu muito alívio! Lembro-me
de ver em sua sala uma fotografia antiga com um grupo de soldados e sobre um
dos moveis da sala um capacete, provavelmente dele. Outra ocasião estava eu a
tomar banho e comecei a cantar, com voz firme:
— Oh, oh, say, can you see...By the down early light! Era o hino americano,
que havia aprendido no ginásio. Subitamente, ouvi fortes batidas na parede que
fazia divisa com o banheiro de sua casa. Parei de cantar e depois comentando
com minha avó ela disse:
— Você canta muito alto, o alemão não gosta!
Eu não gostava do alemão, ele
era estranho, mas realmente não nos incomodava.
Uns dois anos após,
continuava vivendo em casa de minha avó e, ao voltar do colégio deparei com um movimento
na rua, logo em frente à casa de minha avó. Pensei no pior, que algo havia acontecido
com ela, mas, logo a vi, com minha tia, tio, que estavam na rua conversando com
outros vizinhos. Quando perguntei o que havia acontecido, disseram-me que há
meia hora havia saído a polícia, levando o seu Oto e sua mulher, presos.
— Mas por quê? - indaguei.
— Ninguém sabe!
A polícia voltou algumas
vezes à sua casa levando objetos, papeis e outras coisas mais.
Dias após, meu tio veio
com a notícia esclarecedora e enfatizou:
— Eles foram repatriados para a Alemanha. Eram refugiados de guerra e parece
que seu Oto era da polícia especial de Hitler, a SS, um dos comandantes de um campo de concentração.
Conseguira fugir quando chegaram os russos e depois escapulir para a Argentina
e então para o Brasil.
Nunca mais ouvimos falar
de seu Oto. Agora entendo o porquê de seu silêncio, porque era esquivo e muito
mal humorado.
“Tomara que não tenha sido levado para Israel, como o Eichman!”
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