Estrela
Dalva
José Vicente J. de Camargo
— Atenção! Atenção! -Gritava
o menino jornaleiro na esquina da Ipiranga com São João - Estrela da noite dos anos setenta é encontrada morta a facadas em
barraco da periferia!
Comprei o jornal assim que
vi o nome e a foto daquela que na minha mocidade povoara meus sonhos de paixão platônica,
misturada com toques de erotismo.
O obituário do jornal era
curto e grosso:
Nasceu Conceição Maria de
Jesus em cidade do interior paulista, família de origem humilde, fugiu de casa para
tentar a sorte na Capital, iniciou como balconista de loja quando, dado a sua
aparência de beleza pura e inocente, logo foi atraída por “agentes da noite”
que a elevaram ao posto máximo de rainha “Estrela Dalva” das boates paulistanas
na área conhecida como “Boca do Luxo” onde reinou absoluta entre súditos de
alto poder aquisitivo e diferentes desejos fantasiosos.
Com a perda dos atrativos
sexuais e da candura facial, teve queda tão meteórica quanto à subida, tal qual
estrela cadente, terminando por viver de favores de fãs nostálgicos dos tempos
de ouro da boemia paulistana. Justamente um desses fãs acabou por esfaqueá-la, que,
segundo a polícia, agiu por compaixão e solicitação da própria vítima, como num
pacto de “Madame Butterfly”.
A conheci numa das boates que frequentava e,
desde então, minha paz acabou-se e minhas insônias se iniciaram. Na condição de
universitário de mesada apertada, não me restava senão o desejo de observá-la
na gratuidade da entrada, através de uma gorjeta ao porteiro amigo, e de uma
cervejinha bebericada em pequenos e demorados goles.
Numa noite nossos olhares
se trocaram e, num impulso de atrevimento, me apresentei e iniciamos um
“bate-papo” de assuntos corriqueiros, mas o suficiente para “quebrar o gelo” do
desconhecido.
Dali em diante, tornei-me frequentador
assíduo da boate na esperança de obter um desconto especial no “cachê de amor” ou,
quem sabe, pelos meus jovens e lindos olhos negros...
Mas só via sua clientela
aumentar e minhas chances diminuírem...
Mesmo assim não podia
conter o impulso aloucado de poder tocá-la nos comprimentos de praxe entre
amigos, conversar com ela, mesmo que rapidamente, de tê-la ao meu lado, de
mirar sua boca e seus olhos faceiros.
Numa noite surgiu uma
oportunidade e lhe perguntei:
− Você não pensa em largar
essa vida?
E ela, com um sorriso de
“Mona Lisa”, me respondeu:
− Quando era moça virgem,
trabalhadora, frequentadora de missas e confessionários, não permitia que homem
algum encostasse a mão em mim e, se o fizesse, levava uns tapas na cara. No
entanto todos meus colegas de trabalho diziam que eu dormia com meu chefe,
não davam valor a minha castidade. Hoje,
que durmo com qualquer um que me paga, todos me tiram o chapéu por onde passo
com o maior respeito.
Essa revelação me impressionou
bastante, tanto que sempre a menciono quando o assunto da conversa é sobre “Contradições
da Vida”...
Mas o tempo passou mais
rápido que o montante necessário para o “cachê” sonhado... Terminei a
universidade, arrumei emprego fora da Capital e o rio da vida me levou para
outras paragens afogando aos poucos meus suspiros de amor sofrido...
Nuca mais a vi, mas até
hoje sempre que ouço “Conceição” meu pensamento voa, coração acelera, uma onda
vibrante me percorre o corpo e sei muito bem por que:
“Conceição,
Vivia no morro a sonhar, com
coisas que o morro não tem...
Se descesse a cidade, ela
iria subir...
Seu nome mudou e estranhos
caminhos pisou...
Tentando a subida desceu,
e hoje daria um milhão
Para ser Conceição outra
vez...”.
E faço um pensamento
positivo para que esta noite meus sonhos me levem a bebericar boquiaberto a
cervejinha espartana...
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