Viva
a Sogra!
José Vicente Jardim de
Camargo
Férias de verão, dia
radiante prometendo sol sem chuva, criançada ansiosa para pegar uma praia, cachorrinha
de coleira na boca em sinal de querer passear, me surge a ideia como um raio, e
exclamo:
− Pessoal! Que tal fazermos hoje um pic-nic?
Os gêmeos em uníssono
berram “Oba!”, tão convincente que a mãe não tem como discordar e a sogra, a cadeira
de balanço reservara para si desde que chegamos à casa alugada, afunda mais
ainda o rosto na revista das novelas fingindo nada escutar, em sinal que prefere
ficar e que deixemos de inventar maluquices...
Num lance de euforia,
concluo:
− E vai ser um pic-nic muito especial! Vamos fazê-lo na “Ilha do Mangue”
onde nunca estivemos, mas tenho boas referências de praias, mar e natureza
intocável...
Antes de qualquer comentário
contraditório da mãe referindo-se a possíveis perigos, peço pressa no arrumar das
coisas para não perder o horário da traineira.
Carol e Diego, os gêmeos
de 6 anos, eufóricos por irem pela
primeira vez à uma ilha e andarem de traineira com vela e tudo, puxam a vó do
seu retiro prometendo obediência até o fim das férias e a arrastam para a
cozinha para ajudar no preparo dos lanches e das bebidas enquanto a mãe arruma
as mochilas com roupas de praia, cremes, os borrachudos costumam ser agressivos
em locais ermos, e demais utensílios.
Após uma verificada básica
nas condições da van, vou ajeitando as tralhas no
porta-malas e apressando o pessoal para partir.
Cada um no seu lugar de
sempre, cachorrinha no colo, partimos rumo ao porto, a cidadezinha em estilo
colonial era aprazível e acolhedora, onde a traineira aportada já recebia os
primeiros turistas em seus trajes leves e coloridos em meio a um vozerio
contagiante de juventude e alegria.
Com todos a bordo soa o apito
de partida, a traineira se agita e lentamente se afasta, as torres da igreja
matriz se sobrepõem cada vez mais ao casario colonial, rumo ao mar aberto.
Mar calmo, brisa suave,
vai e vem de passageiros a procura do melhor ângulo para as fotos da paisagem e
dos selfies em grupos, chegamos a ilha e aportamos num píer improvisado rente a
praia.
Desviando do
empurra-empurra do pessoal afoito para o desembarque, tento visualizar da proa
o melhor local para se acomodar, a areia branca e fofa reluzia à luz do sol, e,
prevendo o agito e a barulhada que deveria se formar, resolvo levar a família
para uma praia ao lado de aparência mais tranquila e de ondas adequadas para os
gêmeos se divertirem sem preocupações.
Após percorrer uma trilha
de uns duzentos metros, sinuosa e portanto mais longa do que calculei, pisamos na areia, nos
livramos das tralhas e já iniciamos o corre-corre da bola; os pega- jacarés nas
ondas; as disputas de corridas e exaustos partimos para a devora dos “comes e
bebes” e finalmente para a sesta repousante na sombra de um frondoso chapéu de
sol...
Três
apitos se deixam ouvir...
−
Hora de partir? Exclamo eu assustado perguntando a hora.
− Nossa! Faltam 10 minutos para a partida do barco! - responde a mãe.
− Não vamos conseguir! Resmunga a sogra despertando da roncaria
crônica.
− Conseguimos sim se cortarmos o caminho pelo mangue a beira mar. -
retruco eu já enchendo as mochilas com os pertences espalhados e apontando aos
demais o caminho a seguir.
A sogra, os pés descalços
mostravam os joanetes salientes, é a primeira a entrar no mangue levando no
colo a cachorrinha que de rabo abanando fareja mais brincadeiras pela frente.
Segue a mãe segurando os gêmeos em cada mão que se exaltam em comentários
legais da façanha nunca dantes vivida.
Eu, carregado até os
dentes de mochilas e cestas, disfarço o nervosismo comentando da inveja do “Indiana Jones” de não
estar participando de tal aventura, os olhos procuram aflito vestígios de
cobras, aranhas, caranguejos ou outros habitantes de manguezais, enquanto as
pernas se afundam cada vez mais no lodo pegajoso, torcendo para que não
passasse dos joelhos.
−Um
apito longo se deixa ouvir...
Pelos meus parcos
conhecimentos náuticos significava levantar ancora e partir:
− Pressa! Digo eu - Senão outro
barco só amanhã...
Palavra mágica! A sogra ergue-se
da lama, rompe com as mãos os galhos e cipós atravessados no caminho, murmura
palavrões para assombro dos gêmeos que surpresos se puseram sérios, e aos pulos,
segurando a cachorrinha só pelas orelhas, dá um salto com a força do desespero
e alcança a praia dura gritando e gesticulando os braços:
− Espere! Espere!
A traineira, de motores
prendidos, dá marcha a ré e ao recolocar a prancha de embarque no píer, a sogra,
no impulso da corrida frenética, de um salto cai direto no convés para
admiração do pessoal embarcado que aplaude a destreza como se fosse um fim de
show não programado.
A família toda a bordo, só
sorrisos, abraça a sogra querida questionando-a de onde veio tal agilidade e
onde foi parar a maldita artrose que ela diz não deixá-la fazer nenhum esforço
doméstico e só alivia quando sentada na cadeira de balanço lendo a revista das
novelas.
Ela finge não escutar,
rosna “ais” de dores ocultas, pede água com açúcar para baixar a pressão,
pergunta as horas e só então esboça um sorriso ao saber que não perderá a
novela das oito, ou?...
Me mira indagadora como a
me questionar:
− Isso se você não inventar mais nenhuma de ”Indiana
Jones”!
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