Minhas férias de fim de ano- Fernando Braga


Minhas férias de fim de ano
Fernando Braga

Logo após o Natal, fomos passar uma semana no Club Med, na Ilha das Pedras, estado do Rio de Janeiro. O local onde se encontra o Club é realmente privilegiado. Nunca vi e não acredito que possa haver um lugar tão lindo, com natureza tão exuberante. Nosso quarto de hotel era em um edifício distante, uns 300 metros da sede onde estavam o hall de entrada, a secretaria, o restaurante principal, o teatro,  a grande piscina etc. Marcamos este quarto mais isolado, para ficarmos bem de frente para o mar, onde também havia outra piscina chamada de mansa, proibida para crianças, para o melhor repouso dos hospedes mais idosos, e para aqueles que gostam de leitura. É a piscina preferida para os adultos, principalmente os estrangeiros, com grande predominância de argentinos e franceses. Logo após o lauto café da manhã, íamos para esta piscina mansa, nos acomodávamos nas confortáveis cadeiras   ou mesmo na praia,  à sombra das frondosas arvores. Bebidas todas gratuitas, assim como alguns comestíveis. Tudo era tão gostoso que senti vontade de documentar através de fotografias, e ainda, como sou observador, descrever algumas pessoas que me chamaram a atenção.

A piscina era   convidativa, havia a parte mais funda, que não passava de um metro e meio e depois uma parte mais rasa onde estavam as escadas, onde muitos ficavam sentados. Nesta parte, em uma das paredes da piscina havia um turbilhão de várias bocas donde saia água sob pressão, ótima para massagear as costas e as pernas.

Minha mulher logo fez amizade com duas moças, irmãs, ambas separadas dos maridos, sem filhos e que sempre viajavam juntas, quando havia oportunidade. Uma delas, bem alta, bonita, era repórter da Record, muito expansiva e simpática. A outra, bem menor, era mais recatada, mas também muito boazinha. O calor sempre estava sufocante e o sol abrasante. Após nadar um pouco, o lugar preferido era ficar nas escadas ou no turbilhão, jogando conversa fora. A conversa era tão animada que logo outras pessoas se aproximavam e formávamos um grupo de pessoas risonhas e falantes, a ponto de um francês se levantar de sua poltrona e vir nos censurar dizendo:
Esta é uma piscina mansa e vocês estão fazendo muito barulho. 

Não consigo me concentrar em minha leitura! Fingimos que não entendíamos francês, não demos a menor bola e após alguns   segundos, estávamos novamente nos divertindo.

Com tantas pessoas presentes, duas me chamaram a atenção.

A primeira foi um senhor, calvo, aparentemente menos de  sessenta anos, que nadava bem e se aproximou de nós, sorridente, disse algumas palavras e ficou tomando o turbilhão. Após algum tempo, saiu da piscina, chamando a atenção sua grande dificuldade em subir as escadas e depois para andar até sua cadeira, jogando ambas as pernas, com marcha bem dificultosa. Sentou-se ao lado de uma senhora, com aparência bastante envelhecida. Após uma meia hora levantaram-se para ir embora, ela bastante encurvada, com a deambulação bastante difícil e ele, daquele jeito, ambos se apoiando um ao outro para poderem caminhar juntos. Pensei:

“Ele parece bem mais jovem, mas talvez sejam um casal, porque sua movimentação é muito difícil dando-lhe uma aparência de pessoa mais velha”. Compadeci-me de ver a dificuldade de ambos. Uns dois dias após, chegou este mesmo casal, quando já estávamos dentro da piscina tomando o turbilhão e conversando animadamente. Eles levantaram-se, um ajudando o outro e vieram em direção à escadaria da piscina. Ele conseguiu com muito esforço descer um degrau e depois foi ajudar sua companheira, mas, estava difícil. Imediatamente fui ajuda-los e trouxe a senhora perto do turbilhão, o que foi sua solicitação. Ficou ao meu lado e ele foi nadar. Entabulamos uma conversa. Quis ela saber a minha profissão e após minha resposta perguntou aonde havia me formado. Ao responder que me formara na Escola Paulista de Medicina, ficou surpresa e disse que lá havia trabalhado de 1953 a 1956, como bibliotecária. A biblioteca, me lembro bem, era pequena, ao lado da anatomia, a qual muito frequentávamos. Ao perguntar seu nome, lembrei imediatamente que lá trabalhavam duas moças, ambas muito bonitas, a Cacildinha, que namorava um colega um pouco mais velho e acabou casando-se com ele, e a Orminda, que era ela. Naquela ocasião, da Rockefeller Foundation, através do diretor da escola, muito entrosado com esta fundação, havia conseguido uma verba para criar a Bireme, hoje a maior biblioteca médica da América do Sul. Disse-me ela:

— O vice-diretor arranjou-me uma bolsa para ficar um ano em Boston, estagiando em biblioteconomia e voltar  para trabalhar na Bireme.

Foi para os EUA, mas lá encontrou um americano, se apaixonaram, se casaram e não mais voltou, a não ser ocasionalmente para visitar a família, e depois definitivamente, com a morte do marido há 10 anos . Tiveram quatro filhos, dos quais o mais novo era aquele que viera com ela para o hotel. Fiquei sabendo que aquele senhor era um jovem de 53 anos, que cursara medicina e quando estava no quarto ano, fora passear na Argentina, onde atropelado, sofrera um grave traumatismo craniano. Foi tratado em Buenos Aires e depois levado de volta para o USA, mas ficara com sequelas da grave lesão cerebral. Tinha ele dificuldade na movimentação das pernas, memória de fixação muito fraca e alguma dificuldade na fala. Moravam juntos e um ajudava o outro. Tive um prazer enorme em rever Orminda, agora com 84 anos, e vendo seu filho nadar, com aquele sorriso franco, ninguém acreditaria que não era absolutamente normal.

Ainda, nesta mesma piscina, estávamos conversando em um outro dia, quando se aproximou uma senhora, muito comunicativa, falante, que se apresentou como sendo de São Paulo e, viúva. Chamou o rapaz que estava perto e nos apresentou como seu filho. Ele logo saiu para nadar e em seguida ela disse:

— Ele é casado com a filha daquela senhora que está sentada naquela mesa próxima, que também é viúva. Viajamos sempre todos juntos. Sou uma pintora e sempre faço exposições. Deu-nos seu nome, eu não a conhecia, mas posteriormente soube que era famosa e conhecida. Olhei em direção à mesa onde estava a mãe de sua nora e deparei com uma senhora com aparência ainda jovem, entre os 55 e 50 anos. Olhando melhor, reparei que tinha o rosto angelical  mais do que isto, maravilhoso, onde ressaltavam os dentes perfeitos quando sorria, em uma boca perfeita de lábios carnosos, e os olhos, quando tirou os óculos escuros, eram diferentes, difícil de descrição, mas para mim divinos. Ela levantou-se com dificuldade e veio em direção à escada da piscina. Realmente, a beleza de seu rosto contrastava com seu corpo. Suas pernas eram bem gordas, com muita celulite, assim como seu abdômen e tórax. Havia uma notável desproporção entre o corpo e o rosto, que não era gordo, era sem rugas, com uma pele brilhante e lisa e sorriso encantador. Fiquei extasiado com aquele rosto, o que comuniquei à minha mulher, que imediatamente concordou.


Dentro de minha cabeça, agora só faltava conhecer sua filha, que devia ter uns 30 anos. Se tivesse o rosto da mãe, em um corpo jovem, deveria ser muito linda. Ela não apareceu na piscina, mas em um almoço, já no final de nossa estadia, vimos o seu marido indo em direção a uma mesa, mais ao fundo. Como tínhamos acabado de sentar, mudamos para mesa mais próxima deles e assim observa-la. Foi uma decepção. Ela levantou-se para ir servir-se, era muito alta, magra, com um rosto onde predominava o nariz avantajado. Nada a ver com o rosto de sua mãe. Certamente puxara seu pai!

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