PEDRAS QUE FALAM
Oswaldo Romano
Um padre da região remava
seu barco, era quase noite, e passava em frente dessa praia deserta, que no
futuro veio chamar-se a praia da Caveira. Assustou-se ao deparar inúmeros
corpos boiando ao seu redor. Tinha lua, seus dorsos brilhavam. A primeira vista
pensou serem botos. — Não! Era gente mesmo.
Foi informado por uma índia
que estava na margem da ilha, fumava seu cigarrinho, que um naufrágio aconteceu
do lado oposto, no braço de mar que ali adentrava. Um navio negreiro foi a
pique e morreram muitos.
Cônscio de seus deveres
canônicos constatou a verdade e começou puxando-os para terra. Fez sua
apologia, anoitecia. Louvou a Deus suas almas, e encerrando sua oração,
levantou as mãos para o céu e disse com voz emocionada:
— Sigam, Jesus é o caminho da salvação.
Com ajuda dos índios, enterrou-os próximo de
uma enorme figueira, junto às grandes pedras cravadas na encosta da praia.
Pelos índios o acontecido
passou de boca em boca, chegando ao cacique que promoveu no local um funesto
ritual encerrando na língua Tupi Guarani:
— Eis ai um braço de mar nunca antes navegado, que levou a infeliz embarcação
no negro fundo das águas.
Os moradores da ilha,
quando por ali passam por volta das seis da tarde, escutam vozes e sons vindos
do meio das pedras. Acreditam ser do outro mundo, fazem o sinal da cruz,
suplicam segurança para seus pescadores.
Sebastião, pescador valente
que carregava no braço sua embarcação, conta em sã consciência:
— Quando por ali passei, vi sentada na pedra uma caveira com cabeça,
tronco e membros. Movia as pernas e movia a boca como que me chamando. Fazia barulho o chacoalhar dos ossos. Trêmulo,
esqueci a valentia, corri, corri, cambaleando, indeciso pra que lado ir. Uma
topada na pedra, estabaquei-me, privou-me os sentidos. A caveira corria atrás estava a um passo para se lançar
sobre mim. Reanimado, muito sujo. Sujo de uma terra branca, semelhante a
cinzas.
Má sorte teve o Caio, um velho mestiço que vinha da outra ponta da ilha.
Desconhecia essa história, lhe parecia bruxaria a praia chamar-se Feiticeira. Passeando
por ali se acomodou na ajeitada pedra e folgado enrolava seu cigarrinho de
palha. Precisava descansar, era cardíaco. Terminou o cigarrinho selando com a língua
a derradeira palha. Confirmou seu trabalho, e o levou à boca.
Enfiava a mão no bolso a procura do isqueiro. Ficou estarrecido quando apareceu
a sua frente, quase colada, entre suas pernas, a caveira que sacudindo ossos, gargalhando
lhe acendeu o cigarro.
Caio ficou estático. Arregalou os olhos, sentiu uma pedrada no coração.
No outro dia, foi encontrado morto. Estava caído de bruços na areia
úmida que lhe sujava a cara!
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