Preparação - Vera Lambiasi




Preparação                                         
Vera Lambiasi


A 5 minutos da largada do rallye, o casal já engata a primeira discussão.
    Chega de fotos, suba! Ameaça o piloto.
    Onde está a planilha, não trouxe a prancheta? Ralha a navegadora.
    Esqueci, não precisa, 4 minutos!
    E a caneta, como é que eu vou riscar as inutilidades do percurso?
    Pegue a sua, na bolsa, 3 minutos!
    Quilômetros ou milhas? Média alta ou baixa? Zerou o odômetro?
    Quilômetros, alta. Ops, tinha bobeado,  2 minutos!
    Cadê o cronômetro, não arrumou nada?
    Embaixo do banco, coloque o cinto, abra a janela, 1 minuto!
    Ufa, tudo pronto, agora vou prender o cabelo. Viu minha viseira?
    Aí atrás, 30 segundos.
    Pronto, última foto.
    Ahh NÃO! 5,4,3,2,1
    Let’s. Tudo zerado, agora mando eu, vire a direita, na rodovia, 60 km por hora.
    Sim Senhora! Obedece o marido, por incríveis 4 horas.


AINDA NÃO. - Mario Augusto Machado Pinto.


Johannes Vermeer, autor do quadro Moça com Brinco de Pérola, foi o maior pintor holandês do século XVII. Esse quadro singular serviu de inspiração para um filme de mesmo nome


AINDA NÃO.
Mario Augusto Machado Pinto.

Foi revendo fotos antigas, dessas tiradas por lambe-lambe nos nossos passeios pelas praças da cidade que me interessei por fotografia. Só havia filmes para fotos em preto e branco o que me ocasionou a descoberta do chiaro – oscuro, bianco – nero.  Ganhei uma pequena Kodak de plástico e foco fixo e saí pelo mundo fotografando tudo e a todos. Ficou caro conseguir fotografar certo o corpo inteiro das pessoas, mas consegui.

Autodidata, descobri os estúdios fotográficos e o fotógrafo Rosen, que me acolheu e ensinou a usar a máquina fixa no tripé (não me lembro do nome), e a usar a iluminação. Alemão, alto, magro e reto qual pinheiro da Floresta Negra, “trabalhava” as fotos de fim de ano, das formaturas, em grupos e individuais. Eu ajudava. Estas eram as que eu mais gostava. Experimentava poses, ângulos, gastando  mais bases do que o necessário, mas Rosen fingia que não notava.

Nas fotos individuais focava mais o rosto, de perfil ou de lado com a cabeça um pouco abaixada e inclinada e voltada para a máquina. Minha inspiração foi o quadro “Moça com brinco de perola”, de Vermeer. Cuidava muito dos olhos e do olhar. Com muita habilidade utilizava o claro – escuro no preparo da iluminação e na revelação. Respirava e suava fotos e ácidos

Reconhecidamente usava o ampliador com maestria.  Tratava as jovens como verdadeiras estrelas. As fotos ficavam muito boas deixando entusiasmadas as mocinhas que não eram lá muito bonitas. Essa habilidade passou pelo boca a boca e de repente me vi fotógrafo requisitado marcando hora e cobrando. Cobrando!  O dinheiro entrava com a facilidade de um ginasta na minha carteira, e de lá não saia tal qual mão de mico apanhando ovo na armadilha.

Apesar da insistência do Rosen nunca participei de concursos. Preferia inventar maneiras de melhor apresentar as boas particularidades de alguns rostos salientando seus olhos, ou a boca, os cabelos, o perfil. Não procurava a alma de cada um, mas o seu interior buscando a chave para abrir a caixa de segredos de cada um.

Foi com uma moça que veio fotografar para presentear o namorado com sua foto que utilizei pela 1ª vez o brilho nos cabelos e nos lábios: nos cabelos, passei um pouquinho de óleo de mamona e escovei até secarem, ficarem soltos e brilhantes; nos lábios, passei um pouco de vaselina liquida. Foi enorme sucesso, o que fez com que Rosen me dissesse que eu estava pronto para voar sozinho e ter estúdio com salas próprias. Andorinha sozinha não faz verão, sei disso. Vou fazer voar o gavião que tenho aqui dentro.

Melhorei minha técnica com Rosen ajudando. Comprei uma Leica M 3 com todos acessórios, uma Roleiflex, uma Haselblad e material para iluminação. Tornei-me perito no uso da sombrinha, do flash e difusor nas fotografias coloridas. O tempo me fez notado, requisitado e solicitado cada vez mais pelas agencias de publicidade. Fiz uma foto de minha mãe que pode figurar em qualquer exposição internacional. Há quem me considere com longa vida no metier.

As modelos sempre procuravam ficar no alto da minha lista usando todo seu arsenal para me atrair e eliminar colegas concorrentes.

Claro que aproveito ocasiões, afinal não sou nenhum São João Apóstolo. Algumas vezes vivi situações de “saia justa”, mas o balanço demonstra que o resultado vale o trabalho, e como dão trabalho!

Aí ela apareceu, poema silencioso mascarado com mistérios, procurando o que e quem os resolva. Ela me ensinou como trabalhar as cores do seu corpo, sua imagem interior a ser entrevista só por aqueles que entendem o poema de seus gestos e poses de gata feiticeira, faceira e manhosa.


Trabalhamos juntos cada vez mais ligados como orquídeas nas arvores da nossa floresta, cada qual formando o outro, perfumes aspirados sempre lembrados, mas o homem de Geraldine não sou eu. Ainda não.  


Destino ou Fé Brava? - José Vicente J.de Camargo




Carybé - Briga de bar - Serigrafia - 35x50


Destino ou Fé Brava?
José  Vicente J.de Camargo


Tião chegou no boteco na hora habitual de todos os dias repetindo o caminho de sempre, com os mesmos pensamentos, problemas e desejos tal qual um robô andarilho.

Mas logo ao entrar no bar percebeu pelo barulho das vozes e pela agitação dos presentes, em número maior que o costumeiro, que algo estranho acontecera:
Três tiros a queima roupa e o cabra não morreu? Foi o que logo  escutou da conversa do compadre de olhos arregalados levantando o copo de rabo de galo, tal qual estátua de Moisés  com a tábua dos mandamentos.

Pois é - dizia o companheiro de prosa - só vendo para crer! Senão parece mentira das bravas que dá até vergonha de contar.

Mas foi bem aí, na calçada da frente, que o ocorrido aconteceu. O motivo não sei bem lhe precisar, mas com certeza tem mulher no meio. O Zé Pagode, todos sabem, é sujeito mulherengo que não pode ver rabo de saia solto, que tenta puxar. O Alcides, regatado, já vinha sentindo dores de chifre em silêncio. A malvada da pinga incendiou os dois que se atracaram aqui no bar e na capoeira caíram na calçada e o dia virou noite quando puxaram a faca e o trinta e oito.

A gritaria do “deixa disso” foi geral, mas não houve tempo de apartar não. Alcides, que já vinha com a ideia de acertar contas com algum suspeito de lhe botar os chifres, atirou três vezes sem pestanejar.

E aí que entra o “acredite se quiser”...

A primeira bala resvalou na lâmina da faca erguida do oponente e se alojou na parede. A segunda pegou de raspão na orelha e lhe arrancou um pedaço com brinco e tudo, e a terceira, a milagrosa, desviou-se na medalha protetora da Virgem Padroeira que desde o falecimento da mãe, Zé Pagode não tirava do pescoço nem na hora da farra na zona.

Chamada pelo Mané do bar, a policia chegou logo sem ter muito o que fazer, a não ser levar o Zé pra Santa Casa e o Alcides pras grades.

É o destino! - Disse o compadre - Quando não é a hora, não adianta a morte chamar...

Para mim - disse o companheiro - é a prova da fé na Padroeira, que atendendo o clamor da mãe, o filho salvou na medalha abençoada...

Tião, que se aproximara para melhor ouvir o relato, pede licença para um aparte:

Para mim, o cabra da peste tem é um culhão de sorte maior que o amor da mãe dele, mas que não vai adiantar muito não, pois lá na Santa Casa vão lhe capar a ousadia de andar atrás da mulher alheia.

Para mim, o enfermeiro Bigodinho, amigo meu, vai lhe por as mãos no lugar certo e acertar contas passadas...

Pra mim, amigos, acho que cada macaco tem o galho que merece e sapo de fora não chia...

Portanto peço licença, mas para mim a horinha do cair fora já chegou...

Enxuga mais uma purinha, manda o Mané pendurar no fiado e, assim como veio, roboticamente, desaparece no anoitecer...  


Lilica, a menina que guardava as notas musicais num pote. - Acácia Lima





Lilica, a menina que guardava as notas musicais num pote.
Acácia Lima


Era uma menina diferente das demais. Desde muito pequena gostava de ouvir musica no rádio de sua mãe. Vivia cantando, imitando seus cantores favoritos.

Um dia sua tia favorita, lhe presenteou com um piano. Lilica ficou radiante. Agora, sim teria motivo para tocar todas as suas canções. Quem sabe também aprenderia a cantá-las.

Passou a fazer aula de música. E depois de muitas teorias, conheceu as primeiras notas musicais.

Gastava horas inteiras desenhando-as, pintando-as. Até que resolveu recortá-las e guardá-las em um pote.

Apaixonada pelas notas, andava com o pote de um lado para o outro.
As notas cantavam dentro do pote. Cada qual emitia um som: 

Dó, Ré Mi Fa!

Lilica estava deslumbrada! Sentia-se tão feliz que cantava com as notas!

Um dia quando caminhava numa trilha, distraída com seu ponte cheio de notas musicais,  ela caiu em um buraco bem fundo.

Buum!

O tombo foi tão grande, que o pote quebrou,  e as notas se espalharam, misturaram-se, fazendo uma grande enorme gritaria.

A menina também gritava, queria sair do buraco. E as notas acompanhavam sua voz tocando cada vez mais alto.

Nesse instante, um menino ia passando, ouviu a música que vinha do buraco.

— Que som estranho! - disse Roberto.

Resolveu olhar no buraco e encontrou Lilica com suas notas.

Tinha que ajudá-la a sair de lá.

Mas, as notas não paravam de  tocar.

Tocavam cada vez mais alto.

O menino ficou feliz e cantava junto com as notas.

Já ia escurecer, e Lilica não queria ficar no buraco.

Ela estava com medo.

Lilica então pediu para as notas ficarem quietas.

E o menino a ajudou a sair do buraco.

Mas, quando ela já estava fora de perigo,  ficou triste porque não ouvia o som das notas.

Elas simplesmente pararam de tocar.

Será que as notas precisavam do pote para tocar?

Lilica pediu ajuda de Roberto, e juntou todas as notas musicais.

Depois de agradecer pela gentileza, ela correu para casa.

Quando chegou lá, colocou todas as notas em outro pote.

E elas começaram a cantar de novo.

Do, Ré, Mi, Fá !
               

Lilica ficou feliz outra vez, e voltou a cantar pela casa, com o pote de notas nas mãos.

UMA ODE PARA LUCRÉCIA - Carlos Cedano

 
UMA ODE PARA LUCRÉCIA
Carlos Cedano

Ela era a coqueluche do pedaço. Almoçava todos os dias no mesmo restaurante onde cinco amigos também o faziam. Morena alta, muito bonita num rosto calmo e sereno atraia olhares de admiração, mas ninguém se aproximava dela, tinha aura de interdição, de fruto proibido! Por isso,  ninguém sabia informar sobre ela, quem era, e o que fazia.

Os amigos, muito curiosos,  contrataram um investigador que prometeu obter resultados em dez dias.
            — Será que fizemos bem contratando um investigador? Perguntou Martin, advogado Junior e o mais novo dos cinco.

Era necessário sim Martin, nossa musa já estava virando uma obsessão. Foi a resposta firme de Miguel, o chefe da área.

— Concordo com você Miguel  - falou Roberto – essa moça estava tomando a maior parte de nosso tempo e já afeta  o andamento de nossos projetos!

— Verdade meus amigos, devo confessar que ela me faz perder o sono! Disse João Paulo, outro engenheiro.

— Bom – disse o último dos cinco amigos – quando vivo situações como esta me dá uma fome de leão e comeria um boi inteiro! Vamos almoçar?

Os dez dias de espera passaram muito lentamente, mas finalmente chegou o informe dirigido a Miguel. Ele marcou reunião num bar reservado. Na frente dos amigos abriu o envelope. O pessoal estava ansioso num clima de alta curiosidade, em resumo, o informe dizia que:

O nome da pessoa era Lucrécia, 22 anos, trabalha como assessora executiva numa grande multinacional e considerada pessoa de alta confiança do Diretor Geral. Também é estudante de psicologia e antropologia às noites o que indica a possibilidade de exercer sua profissão na conclusão dos estudos.
A moça é considerada muito inteligente e discreta. Ninguém informou ou sabia de algum relacionamento ou compromisso afetivo. Pratica ioga e viaja pelo menos uma vez ao ano de ferias ao exterior. Comunico que ela deverá estar de férias nas duas próximas semanas.

Em folha confidencial e sem timbre o investigador deu o nome da firma onde trabalha e o nome da faculdade. Endereço residencial e telefone particular não foram fornecidos.

            — E agora meus amigos, que vamos fazer? Perguntou Miguel.

Após intensa troca de opiniões porem sem nenhuma conclusão, Miguel falou novamente:

            — Acho que após conhecermos o informe cabe a cada um de nos tomar suas próprias decisões. Nossas conversas sobre Lucrécia devem ser evitadas na empresa e durante nossos almoços. Concordam?

Houve um assentimento geral e alivio.

Passaram-se duas semanas e Lucrécia reapareceu no restaurante. Parecia mais mulher, a flor tinha desabrochado! Os rostos dos cinco amigos no conseguiram disfarçar a alegria de sua presença. A grande surpresa foi quando Lucrécia se dirigiu à mesa dos amigos e disse:

            — Recebi um poema com a indicação UM DOS CINCO. O poema é maravilhoso e me tocou profundamente. Sei que o autor está nesta mesa. Não identifiquei outro grupo igual fora de aqui e este é o único grupo de cinco que frequenta este restaurante.

Antes que os amigos pudessem reagir Lucrécia continuou:

            — Vou ler as três primeiras linhas, se alguém de vocês sabe a continuação, por favor, diga-as.
Lucrécia leu e esperou.

                — Subitamente e para surpresa dos colegas, Martin – com voz pausada e firme  - completou o poema.

                —  Lucrécia com uma alegria acompanhada de seu mais bonito sorriso caminhou até Martin e disse: Gostaria sair agora com você, temos muito a conversar, não acha?

            — Sim! Respondeu Martin.

Deram-se as mãos e saíram.





               
UMA ODE PARA LUCRÉCIA

Morena, todos os pecados do mundo são de tua a cor!
Morena do sorriso embriagador!
Morena, não gostas de mim?
Morena, tira teus olhos de mim!
Morena, acaba com minha dor!
Eles só me ferem de morte sem deixar-me morrer!
                                              

UM DOS CINCO

Louca por Sapatos - Vera Lambiasi


Louca por Sapatos                                        
Vera Lambiasi

Em viagem à Espanha, na mocidade, comprei minhas primeiras alpargatas.

Era moda no Brasil, mas difícil de encontrá-las.

Haviam umas, contrabandeadas do Uruguai, usadas por operários, meio toscas. Serviam para matar a vontade, só que machucavam os pés, só cordas e pano, sem acabamento.

As madrilenhas eram bem confeccionadas, em variedade de cores e modelos. Com tiras, sem, salto alto, baixo, plataforma, anabela, lisa, estampada ...

El Corte Inglés era o paraíso das compradoras alucinadas. Almodóvar teria feito um belo filme sobre as mulheres ensandecidas, nas gôndolas, por um par de  espadrilles.

De mala cheia, retornei para casa, disposta a desfilar um par em cada ocasião.

Mas, São Paulo era a terra da garoa, e elas foram ficando empapuçadas.

Era calçar e molhar, num desespero diário de pés encharcados.

Aos poucos, fui  abandonando-as, um tanto ressentida pelas promessas fashionistas.

E, descobri, enfim, as sapatilhas Repetto, de verniz, e solado de couro resistente.

Mas, difícil de encontrar no Brasil, viu!


Comecei tudo de novo. 

O REVÓLVER - Oswaldo Romano

 
O REVÓLVER
Oswaldo Romano              
                                    
        Rosana estava mais livre na nova moradia de Paraty. Sem os aborrecimentos de antes, tantos foram os problemas sentimentais acontecidos em sua cidade Natal. Teve dolorida experiência. Seu namoro foi rompido no momento em que mais curtia seu noivado. Naquelas condições, demasiadas exigências, a vida futura lhe seria pesada demais.

        Para seu bem, seus pais resolveram mudar de cidade. Estavam  muito bem de vida, era considerado o rei do pescado, operando entre Santos e Angra dos Reis.  Escolheu Paraty porto pesqueiro que oferecia ótimas oportunidades. Assim mantinha sob seu domínio a maior parte da Costa Verde.

        Rosana amargou um bom tempo às agruras da separação. Tinha um amor profundo pelo noivo, foi muito sofrimento esquecê-lo. Tentava de tudo, viajava, saía com o pai. De lancha visitavam ilhas, praias e seus melhores restaurantes. Queria se distrair, mas só encontrava cenas de casais embevecidos, o que mais a colocava no fundo do poço.

        Seu Custodio, o pai, mudou de tática. Entrou num pool de helicóptero, e sua participação compartilhada, era a maior do grupo. Tinha sua base em Paraty. Presenteou Rosana com uma super câmara Nikon e voando pelo litoral, a seu mando o piloto contornava ilhas, praias e matas. Fazia toda sua vontade. O pai acompanhava, pousavam em bares e curtiam aqueles aperitivos de frutos do mar. Rosana criou maravilhosos álbuns fotográficos, pensando participar de exposições.

        Por força do convívio,  Rinaldo o piloto, era solicitado para colaborar nos cliques da famosa câmera. Sentiu que Rosana se desligava do passado quando voavam só os três. Custódio liberou a filha para vez ou outra, convidar Rinaldo nos aperitivos. Ela já pensava nisso. Só não o fez antes em respeito ao pai.

        O piloto servia também o Custódio nas viagens de negócios, geralmente entre Santos e Rio. Esse contato fazia com que as conversas entrassem por caminhos diferentes dos comerciais. O pai provocava um dialogo cotidiano, mas por detrás escondia uma curiosa pesquisa da sua  personalidade.

        Rinaldo jogava tênis no Condomínio Laranjeiras, esporte que Rosana praticou quando adolescente. Passaram a ir juntos, autorizados pelo velho, e não demorou o pai foi procurado inteirando-se que já rolava um namoro. Pairava no semblante da jovem, um ar de felicidade, voltava a alegria. Rosana queria acompanhar o jogo do Rinaldo. Escolheu a professora Ana, uma profissional aplicada que, com intenso treino a colocou em condições não de igualdade, mas o suficiente para jogarem juntos.

        Seu pai, e sua mãe Dona Adélia, vinham curtindo essa união confiantes, e estavam contentes com o transcorrer dos fatos. Era essa confiança que precisavam para aceitar um breve casamento.
        Foi o que aconteceu.
        Rinaldo, com parcos recursos, tinha sua situação conhecida pelo sogro. Este confiante, nada querendo que faltasse a filha, deu-lhe uma modesta participação na sua holding. A holding abarcava todo seu patrimônio. O menor porcentual que fosse permitia viver uma vida de nababo, sobrando para várias gerações.

        Como piloto de aeronave, era-lhe permitido andar armado, coisa que sempre dispensou, mas agora casados morando numa luxuosa casa e diante da desastrosa segurança reinante, mantinha um carregado revolver cromado na gaveta do seu criado mudo.

        Rosana evoluiu muito bem com as aulas de tênis, e no final da primavera iria dispensar a professora Ana. Até então seu casamento corria na mais perfeita normalidade. Depois se passaram três anos, e a união já não era como antes, aquela maravilha inicial.

        Percebendo que a união balançava, prestes a desabar, reuniram-se a pedido dos pais na mesa redonda onde com cautela firmaram um pacto de tolerância mutua e durável.

        Nessa ocasião, Custódio demonstrando felicidade do resultado que conseguiu, presenteou Rinaldo com um Oldsmóbile, motor elétrico, carro cuja caracterista principal, por não ter explosão é  super silencioso. Dois dias depois seria seu aniversário. Foram convidados todos seus familiares e amigos.

        Rinaldo estava alucinado, com a maravilhosa máquina, objeto dos desejos, o brinquedo dos seus sonhos. No dia da festa, de madrugada, movimentou seu silencioso carro, foi ao encontro do seu secreto amor, ela, a Ana, a dedicada professora. E partiram para bem longe onde teria no mais perfeito sossego suas emocionantes partidas de tênis.

        Rosana ao acordar surpreendeu-se. Um bilhete inesperado estava sobre o travesseiro. Pensou no pior. Mal leu.  Rosana incrédula, possessa de raiva, apanhou o revolver no criado mudo. Acordou seu pai, gritava desesperada: vamos pai, vamos... Eu mato esse verme, vagabundo. O pai estático e incrédulo  ouvia:

—  Vamos Pai, pegue o helicóptero. Vamos alcança-lo. Por favor, pai, me ajude... Vamos pai. Logo. Hoje eu mato esse desgraçado.


        — Sim filha, só que o helicóptero não voa sem o piloto! 

O ZÓIO DO ROCEIRO - M.Luiza de C.Malina


O ZÓIO DO ROCEIRO
M.Luiza de C.Malina

Eu  espiava o vai e vem dos cavalos.

Na cocheira eles davam uns rilinchus diferentes. Até o peão tava diferente.

Via uma coisa que brilhava direto nos meu zóio. Num conseguia disgrudá os zóios daquilo. As veiz o brilho fugia. Meus zóios rodavam ligero procurando o tar do brilho, até que chegava.

Oiei firme e discubri. Era o danado do relógio du home que ia andá di cavalo.

Mi escondi no meio do capim no caminho que ele ia passá. Ele vinha sozinho. Eu tava andando agachado, feito sapo. Éh! Feito sapo que gruda e num deixa mato balançá.

O danado do cavalo era o mió. Arisco que só, num adiantava colocá cobra no pé.

Corri mais do que minhas perna. Cheguei primeiro perto da ponte. O rio tava seco com uma fieiriiiinha de água prá boi bebê.

O cavalo relinchou.

O home intendeu e foi debaixo da ponte. Arreiou. De pé se esticava todo e eu, atrás dele, coloquei um saco na  cabeça dele,  e amarrei firme.

Ele gritô.

Eu peguei o braço, tirei o relógio e vortei correndo.

Ele ficou que nem boneco do milho, de braço aberto espantando os passarinho co´s grito.

O cavalo se foi de mansinho, e eu subi no galope até a cocheira. Oiei e preguntei:


- Ué! cadê o home ?

Questionamento - Luísa Helena Rodrigues Alves

Questionamento
Luísa Helena Rodrigues Alves

O amor é eterno?
Que seja infinito enquanto dure?
Então, se não se eterniza não é amor?

Duas amigas conversavam.

A paixão é efêmera.
A paixão se constrói em cima da imagem de um ser ideal!
Quando esse ser despenca do altar de santo se torna um demônio, de príncipe à sapo.
O ser real é visto com seu lado mais sombrio, demasiadamente, humano... Como dois jovens que namoram perdidamente apaixonados, casam-se, depois de alguns anos ou meses, descobrem que não gostam mais um do outro.
Acabou o encanto! Era o efeito de alguma magia? Ou simplesmente não era amor...
Era paixão  com certeza.
A paixão é cega e temporária.
O amor é como uma planta que tem que ser regada com a água da admiração, adubado com carinho, elogios e agrados. Tem que ver o outro  feliz!
Na rotina do dia a dia, depois de assegurada a  conquista tudo se esquece, sempre vive o brilho da novidade, de uma nova conquista...Mas cuidado, a felicidade pode estar bem perto, do seu lado!
Nisso as amigas se entreolharam e se disseram:

— Que bom ter você como amiga!

Passam-se os anos e apesar das diferenças de gostos e personalidades, aprendemos a nos respeitar e cuidar  e admirar. Uma era casada há 40 anos. A outra separada, mas, guardava no coração as experiências boas que viveu no seu casamento. E olhando com um olhar amoroso para seu passado, completaram:

— Os amores verdadeiros são sempre eternos!
Lindos! Lindos! Lindos! Lindos! Lindos!


UMA ILHA ENCANTADA - Acácia Lima

UMA ILHA ENCANTADA
Acácia Lima

Era uma vez uma ilha que ficava muito distante da terra.
Diziam que foi encantada por uma doce fada, que por ali passou e se apaixonou. Não se sabe por quem.
Certo é que a ilha era feita de lindos doces.
As montanhas eram feitas de pão de mel.
A água da cachoeira era de chocolate cremoso.
Havia ovinhos coloridos por toda parte.
Bengalas de açúcar listradas de branco e vermelho, aqui e acolá.
Os troncos das árvores eram feitos de chocolate, e pareciam caras de horrendas bruxas. 
 A ilha era linda, colorida, cheirava a bolo, baunilha, chocolate e anis.
De repente, ouviu-se um enorme barulho.
BRUUUMM!
 Era mister Magoo, chegando em seu cavalo colorido por grande bolas.
— Hein!! Estão vendo quem eu trouxe? Gritava alegremente.
Seu companheiro inseparável era o Lino.  Na verdade, uma cartola muito alta, que tudo via e ouvia. Tinha um único olho, muito arregalado na parte central.
Lino via longe e logo comunicava para Mister Magoo as novidades da ilha.
— Quem você trouxe? Quem você trouxe? - gritava o pequeno dinossauro verde.
— Ah! Vejam a Srta. Mary.
Senhorita Mary era desconhecida na ilha. Era uma pequena coelhinha, bem orelhuda, que morria de vontade de que comer os doces da ilha.
A fada tinha  deixado uma maldição.

O visitante não podia comer nenhum doce da ilha. Se provasse algum, ficaria para sempre na ilha.

Mary morava na ilha dourada. Isso mesmo, a ilha era toda de ouro.  Alimentava-se apenas de vegetais. Não havia doces coloridos, nem brinquedos como na ilha encantada.
— Você não pode provar nada! - gritava alto a cartola de mister Magoo - Estou de olho !!! Estou de olho!!!
— Eu sei disso. Afirmava Mary - Só quero conhecer os doces da ilha.
Visitou toda a ilha desfilando sobre o cavalo de mister Magoo, usando uma linda sobrinha branquinha, que recebeu ao entrar na ilha encantada.
Mary pensou que poderia sair com pelo menos um docinho escondido. Comeria depois, quando estivesse em casa.
— O que você tem ai? - Perguntou o porteiro da ilha.
— Nadinha – respondeu aflita, Mary.
— Como nadinha? – desconfiava. Posso sentir o cheiro do doce que você leva.
Rapidamente, Mary engoliu o ovinho azul, sem nada pensar.
Mary então ficou presa para sempre na ilha encantada. A ilha já não lhe parece tão doce, nem tão linda.
Os doces, aliás, lhe parecem até bem enjoativos.
Que saudade Mary sente de sua ilha dourada, ela sim era a ILHA ENCANTADA.       
                  

         

NUNCA MAIS ENCONTREI MURILO JORGE - Oswaldo Romano


NUNCA MAIS ENCONTREI MURILO JORGE
Oswaldo Romano                                                                      

        Murilo Jorge foi um médico que passou em minha vida, lá em Mineiros do Tietê.

        De pronto ganhou a simpatia da população, graças a sua presteza e conhecimentos dos hábitos do interior.

        A troca das personalidades naquela vida pacata era uma constante. Acontecia com o delegado, o escrivão, o padre.

        Eu me chamo Walter e minha patente é o de anspeçada. Tenho muito contato com essas personalidades. Minha função, como é sabido, é percorrer a cidade e levar aos superiores, os desarranjos encontrados.

        Fazia isso de moto.

Numa dessas andanças, visitando um sítio do município, fui atacado pelo Miura, um conhecido e valente animal. Não bastasse a dolorida chifrada que levei na traseira, fui jogado contra as pedras. Machucou. Machuquei muito.

        Por obra de Deus, um tropeiro que passava, coisa rara naquela pastagem, apeou, deu-me atenção, própria daquela gente. Pediu calma e saiu em trote puxado. Disse ir chamar Murilo Jorge, o médico.

        Cumprindo sua palavra, regressou com o doutor. Um médico na mais alta expressão da sabedoria. E eu estava ali, na mais alta expressão da dor.

        Num momento, com as duas mãos apertava meu peito. Desconfiava eu não suportá-la, estava muito ofegante.

        Era um bom médico. Porque trocam essa gente?

        Trocam delegado, trocam o juiz, o padre, o carcereiro.

        Tinham que trocar o Dr. Murilo Jorge?

        Nunca mais encontrei o homem que salvou minha vida. Mas, tenho-o guardado na caixa dos homens bons que conheci.

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