O VIADUTO DO CHÁ E OS CONTOS DE RÉIS - Maria Luiza de C.Malina


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O VIADUTO DO CHÁ E OS CONTOS DE RÉIS
 Maria Luiza de C.Malina

Sentado no cais do porto, as ideias mostravam resistência contra o forte vento do norte que provocam as eternas sequências de marolas. O vai e vem, acompanhado do ruído das correntes presas às embarcações, ajudaram Ulrich a tomar a decisão – embarcar – uma gaivota o espreitava, deslizou calma apoitando ao seu lado.

Ulrich era um dos tantos jovens europeus que um dia saem de casa à procura de emprego e que, em outro dia mais distante, enviam uma carta à família sobre o paradeiro. O espírito aventureiro misturado à energia natural dos descompromissados dezoito anos o levaram à decisão dos horizontes além mar. Confirmava consigo mesmo, os aparentes potenciais de altura 1,97 com o dobro de bíceps de boa- pinta, loiro de olhos azuis, que lhe valeu o apelido de olhos de águia, pela rápida resolução de problemas; o idioma – percorreu os olhos nas bandeiras das embarcações. Um navio estava sendo carregado e os olhos recaíram sobreas caixas em que leu “Ferro Carril-Brazil”. Pouco se importou com a bandeira. Já ouvira falar sobre o país do futuro. Foi lá. Foi aceito. E lá se foi. A gaivota pousada no convés seguiu o navio.

No agradável clima de maio de 1890 em São Paulo, Ulrich é um dos tantos marujos convidados a acompanhar o desembarque das armações metálicas da empresa alemã Harkopt Dulsburg. Conheceu Paul, engenheiro de nacionalidade inglesa, de bom faro percebeu a destreza física dos quatro marujos e os contratou para o período de dois anos, na reconstrução do Viaduto do Chá.  O mesmo espírito aventureiro o aproximou de Manfred. No navio os tratavam de Hans e Fritz. Logo foi sugerida a naturalização. O Brasil nesta época necessitava de mão de obra experiente; um país promissor uma vez que Dom Pedro II incentivara em muito a imigração. Tudo foi muito fácil.

Curioso como as etnias se aproximam! Ulrich e Manfred, outro boa-pinta; procuravam por uma pensão na baixada do viaduto.  Precisavam de um bom banho. As poucas palavras mescladas ao alemão chamaram a atenção da dona da pensão que nada entendia. Mandou chamar “o alemão da serraria” – de uma chacota, assim passou a ser conhecido o senhor Gustavo, dono da serraria. Este, pelo aperto de mãos reconheceu os conterrâneos oferecendo moradia na própria serraria que ficava no Morro do Chá, onde atualmente está situado o Teatro Municipal.

A convivência se estreitava a cada dia, assim como os dias de trabalho diminuíam. A adaptação foi rápida entre os costumes e culinária alemã, em meio à hospitalidade brasileira para os econômicos “don juans”. Ao término da construção, elegantes jovens desfilavam em direção às lojas ou aos abarrotados cinema, espalhando o aroma do bom perfume. Os rapazes iguais na maneira da abordagem feminina apoiavam-se em uma das pernas junto à parede dos edifícios, fumavam imponentes jogando a fumaça para o ar, acompanhando o andar das moças que, com o aproximar, rapidamente retiravam do bolso um pequeno pente para retocar o cabelo que reluzia à Brilhantina. Elas se entreolhavam e sorriam em sinal de aceite e, o interessado a seguia.  Difícil era quando menosprezados, as examinavam da cabeça aos pés e cuspiam ao chão. Sim, cuspia-se no chão. Ah! Tempos em que muitos apenas se lembram das boas coisas.

Hans e Fritz as disputavam. Manfred, o menos falante nada revelava de suas conquistas, ria das pilhérias do amigo. Só que o amigo não sabia que Manfred estava de caso sério com a sobrinha do senhor Gustavo às escondidas. Pois é, para tristeza de Manfred, o amigo confidenciou que estava de “caso avulso” com a tal sobrinha. Foi uma vergonha muito grande para Maria Adelaide que não sabia o que fazer, quando soube da briga entre os dois que, passou a evitar Ulrich. O tio exigia explicações.  Os dois anos de boa convivência coincidiu com o término das obras do Viaduto do Chá. Já era prevista a dispensa do trabalho e a situação entre os dois amigos mostrou ranhuras, uma vez que nada foi revelado ao alemão da serraria. Brigas, apenas brigas.

Manfred muito precavido e com boas economias do Viaduto. Após sua inauguração, jamais o atravessou, guardava os vinténs e se negava a pagar o pedágio de trinta vinténs para atravessá-lo, imposto para pagar o custo do mesmo. Semanas após, foi procurado durante uma noite pelo engenheiro inglês que o convidou para trabalhar no interior de São Paulo, cujo pagamento era feito em forma de terras. Econômico e com os proventos guardados aceitou sem contar nada a quem quer que fosse. Tinha planos.

Numa dessas noites abafadas,  de voos baixos de mariposas rodeando as luzes dos postes, Manfred recebeu a chorosa visita da encantadora Maria Adelaide às escondidas, pois, dentro dos bons costumes estava proibida de sair de casa. No desespero da saudade dos secretos encontros, entregou-se aos braços de Manfred, implorando seu perdão como recompensa de um último encontro, pois o amava profundamente. Justificou a traição que, apenas não resistira aos encantos do amigo. Manfred na calada desta madrugada anotou alguns dizeres numa caderneta e a fechou. De posse de uma pequena mala com seus pertencentes, calou a boca de Maria Adelaide com um lenço envolto na cabeça.

No dia seguinte, a inquietação foi geral com o desaparecimento de Adelaide. A família em polvorosa avisou a polícia que nada podia fazer. Ulrich se sentia culpado sem encontrar Manfred. Passados quatro dias, Senhor Gustavo recebe um telefonema que não aguardou resposta: “Aqui é o Manfred senhor Gustavo. Avise a todos que Maria Adelaide e eu nos casamos. Até breve”. Ele ficou com o telefone na orelha gritando Alou, alou. E tu..tu.. tu finalizou a ligação. Então ele mesmo entendeu o porquê da briga entre os amigos, os dois disputavam mesma garota. Ficou mais tranquilo e a família também. O até breve nunca chegou.

 UIrich recebeu a proposta para  um novo trabalho no sul do Brasil, onde a colônia alemã era mais intensa. Viajou deixando o endereço de contato. Após oito anos, saudoso resolveu voltar para sua terra natal, desta vez como um passageiro do mesmo navio que o trouxera.  O destino é complicado, não se foge do mesmo. Ao embarcar é surpreendido ao ver Maria Adelaide embarcando com uma criança  no mesmo navio. Ele a chama. Ela não ouve. Ele corre. Ela desaparece entre as cabines. Ele se acalma. Sabe que ela está por lá. Nas primeiras horas da manhã pensa encontra-la durante as refeições, mas nada acontece.  Procura pelo nome, a localização da cabine e não a encontra. Numa destas noites em que o sono desaparece, estava recostado no parapeito observando o movimento do reflexo da lua no mar  ̶ Impossível “ dizia para si mesmo, voltando-se ao ouvir uma voz a perguntar:

 ̶  O que é impossível senhor UIlrich?

̶- Você? Não, na-na- não pode ser - gaguejava atônito – procurei por você dentro deste navio, feito agulha em palheiro. Ao embarcar, você estava a minha frente em alguns metros e... Chamei pelo seu nome. O que aconteceu?

̶ Vamos ao bar, preciso de muito tempo para contar.     

Ela revelou a grandiosidade de Manfred, da grande consideração que tinha pelo amigo, mas que o amor fora mais forte, registrando inclusive o filho como seu. Estava naquele navio a pedido de seu marido, foram suas últimas palavras: “Quero que me prometa cumprir o que está dentro daquele envelope que você só abrirá após a minha morte”  ele havia comprado a passagem para ela e o filho com certa antecedência, com a ajuda de um colega de trabalho.

̶  Algumas horas depois de ter prometido cumprir o que estava dentro do envelope, ele faleceu. Foi vítima do desmoronamento de uma usina hidroelétrica em que trabalhava. Não havia esperança. Desta forma a empresa liberou o dinheiro da indenização. Apenas dois pedidos - que eu fosse visitar os pais dele que moram no sul da Alemanha e me fez prometer confortá-los dizendo que tinham um neto, que nunca revelasse a verdade.

̶  Que verdade? – implorou Ulrich franzindo a testa.


̶  A verdade de que o pequeno Ulrich  não era o filho dele.

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